Aspiração manual intrauterina, técnica recomendada pela OMS e pelo próprio governo, só é ofertada a 5% delas
(O Globo, 06/08/2018 – acesse no site de origem)
Recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo próprio governo brasileiro, a técnica de aspiração manual intrauterina (AMIU) só é ofertada a 5% das mulheres internadas em situação de aborto na rede pública. As 95% restantes são submetidas ao procedimento da curetagem, mais agressivo e com riscos elevados de complicações e sequelas, segundo dados do Datasus de 2008 a 2015.
A proporção do uso dos dois procedimentos não se altera ao longo do período analisado. Enquanto a AMIU é feita com uma cânula acoplada a uma seriga que aspira os resíduos internos, podendo ser feito num espaço ambulatorial, a curetagem consiste na raspagem do útero. Com isso, aumentam as chances de perfuração uterina e de consequências que comprometem uma próxima gestação.
– É um procedimento medieval raspar o útero da mulher. A AMIU exige uma paciência, demora um pouco mais, mas é uma técnica incontestavelmente superior à curetagem_afirma a ginecologista Ana Teresa Derraik, que dirigiu o Hospital da Mulher Heloneida Studart, onde há o serviço de aborto legal no Rio de Janeiro.
Situação não provoca sensibilização
A especialista explica que a técnica da aspiração para esvaziar o útero é feita com um kit descartável, o que torna o custo elevado para o governo e o material raro nos hospitais. A pouca disponibilidade leva a um outro fator: faltam profissionais capacitados para usar o instrumental da AMIU, mesmo quando ele existe no estoque. Além disso, aponta Derraik, a situação não provoca sensibilização:
– O gestor, em geral, não está preocupado em dar um melhor atendimento à mulher em situação de aborto.
O aparente custo mais elevado da AMIU, que demanda material descartável, enquanto a curetagem é feita com instrumental cirúrgico do hospital, tem que ser relativizado, aponta Rodolfo de Carvalho Pacagnella. Coordenador da Comissão Nacional Especializada em Morte Materna da Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o médico ressalta os custos pós-procedimento:
– A AMIU tem um custo prévio maior, mas pode ser feito no ambiente do ambulatório, demanda equipe menor, a recuperação é melhor. Ou seja, há uma economia lá na frente, em relação à curetagem, que precisa ser considerada.
O Ministério da Saúde concorda, em nota, com a economia gerada pela AMIU. Diz que a técnica é recomendada pelo órgão porque “oferece menores riscos para as pacientes, menor tempo de intervenção e menores custos hospitalares quando comparado a outros procedimentos”. Não explica, porém, o motivo de o procedimento ainda ser minoriotário, da ordem de 5%, no país.
A pasta destacou que fez uma compra centralizada em 2013 “para ampliar o acesso das mulheres à técnica” e que atualmente há uma nova aquisição em curso. O ministério destacou ainda que a quantidade de procedimentos da AMIU aumentou 56% de 2014 a 2017, sem especificar os números absolutos.
Quanto ao preparo dos profissionais, o Ministério da Saúde afirma realizar “ações de capacitação para o uso da técnica, com cobertura nacional, estimulando a replicação nos estados para todos os municípios”. Mas destaca que “estados e municípios possuem autonomia para adquirir este insumo diretamente e orientar os procedimentos que devem ser realizados em sua rede de assistência”.
Renata Mariz