“Quem são as mulheres que abortam? Essa multidão pode ser descrita por números: uma por minuto, 1 a cada 5 mulheres aos 40 anos. 56% delas são católicas e 26%, evangélicas. É a mulher comum brasileira”. Esses foram os dados obtidos pela Pesquisa Nacional do Aborto, publicada em 2016.
(Justificando, 06/08/2018 – acesse no site de origem)
Em sua fala no primeiro dia de audiência pública pela legalização do aborto no Supremo Tribunal Federal (STF), Débora Diniz, Débora, antropóloga da Universidade de Brasília e ativista pela descriminalização, relembrou os dados do estudo, da qual participou como pesquisadora para afirmar que, quando se fala de aborto, o que mais interessa não é a resposta à pergunta “você é a favor ou contra o aborto?”, mas a prática real das mulheres.
“Uma mesma mulher que venha a responder numa pesquisa de opinião ‘eu sou contra o aborto’ pode ter feito um aborto na vida”. Para a aparente incoerência, Débora dá duas explicações. A primeira é que há uma expectativa de resposta, em que as entrevistadas consideram que o correto é responder que são contra o aborto. A segunda explicação, diz Débora, é de que “somos incoerentes quando a lei penal nos ameaça de pena de prisão”.
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A pesquisadora ressaltou ainda que muitas mulheres no país não sabem que o aborto é um crime de prisão. “Elas sabem que é um erro, que talvez haja um pecado. Uma mesma mulher que é contra o aborto, se perguntada se é favor ou contra a prisão de mulheres, ela vai dizer ‘não faz sentido’”.
Ingriane Barbosa, negra, trabalhadora doméstica e mãe de três filhos, que morreu no mês passado aos trinta anos, em decorrência de uma aborto realizado em casa, na região serrana do Rio de Janeiro, foi lembrada na fala da pesquisadora: “Ela morreu com um talo de mamona no útero. É mãe de três filhos e o que se sabe é que ela já tinha feito um aborto”.
“Nós perdemos, como Estado, uma oportunidade de prevenir o segundo aborto e certamente de ter Ingriane viva. É na rota crítica de uma mulher que faz aborto que podemos e devemos apresentar medidas de prevenção. A criminalização do aborto matou Ingriane e deixou seus filhos órfãos.”
Confira a fala completa de Débora Diniz:
Médicos e especialistas também se posicionaram à favor da descriminalização
Para a médica Mariza Theme-Filha, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), “há pouco conhecimento sobre como as representações sociais de contracepção, maternidade, conjugalidade, família e sexualidade atuam sobre o planejamento da fecundidade”. Ela ressaltou também que, embora mais de 90% das mulheres em idade reprodutiva tenham algum conhecimento sobre métodos contraceptivos, sua disponibilidade e condições de uso são muito desiguais no país.
“Sem uma compreensão holística da questão, não seríamos capazes de reduzir as taxas elevadas de gravidez não planejada”, avalia a pesquisadora. “55% das gestações no Brasil que chegam ao parto não foram planejadas, o que resulta numa estimativa de 1,5 milhão de nascimentos ao ano”.
A médica Maria de Fátima Marinho, do Ministério da Saúde, reafirmou a origem socioeconômica das mulheres que morrem em decorrência de aborto: “são negras, jovens, solteiras”. Já o médico José Gomes Temporão avaliou que, negar o aborto a uma mulher que dele necessita não é usar critérios médicos, mas, sim, ”exercer um juízo estritamente moral”.
Também representante da Fiocruz, o médico Marcos Augusto Basto Dias criticou a maneira como a lei penal determina a ação médica em casos de aborto “As mulheres são abandonadas pela lei e por nós mesmos”.
O médico Rosires Pereira de Andrade, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) explicou que há, atualmente, procedimentos altamente seguros para a realização de abortos. Entre eles, citou as intervenções medicamentosas, que tem índices mínimos de complicações. Já o ex-ministro da saúde José Gomes Temporão lembrou que existem falhas nos métodos contraceptivos, e criticou a proibição do misoprostol no país.
Representante do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas, José Henrique Rodrigues Torres lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não é contrária à descriminalização: “Ela proclamou expressamente que o direito à vida protegido em geral desde a concepção busca proteger os direitos da mulher grávida, não os do embrião, não os do feto.”
Jorge Rezende Filho, também da Academia Nacional de Medicina, mostrou dados comprovando que, nos países em que houve a descriminalização, aconteceu uma redução no número de abortos. A médica Melania Amorim, do Instituto Paraibano de Pesquisa Joaquim Amorim Neto reforçou esses números, e demonstrou, por outro lado que, em países em que a lei é mais restritiva, a incidência de abortos tende a ser maior.
Adriana Abreu Magalhães Dias falou em nome do Instituto Baresi, entidade que congrega associações de pessoas com doenças raras. Ela rebateu os argumentos de grupos que classificaram o aborto como a ameaça de uma medida eugênica. Ela própria portadora de deficência, disse que não concorda que se fale em nome de seu grupo, e se posicionou favorável ao direito de escolha das mulheres.
A audiência se iniciou na última sexta-feira, dia 3 de agosto, e segue durante o dia de hoje, 6 de agosto. O objetivo da audiência, presidida pela ministra Rosa Weber, é debater a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, ajuizada pelo PSOL e Instituto de Bioética – Anis.
Lígia Bonfanti