Maioria dos brasileiros segue contrária à legalização. Mas índice dos favoráveis à manutenção da lei atul recuou de 67% para 59%
(Marie Claire, 23/08/2018 – acesse nosite de origem)
Uma pesquisa do Datafolha publicada nessa quarta-feira (22) mostrou que a maioria dos brasileiros continuam contrários à legalização do aborto. No entanto, a mesma pesquisa mostrou ainda que houve um recuo na porcentagem de pessoas favoráveis à manutenção das atuais regras. Em outras palavras: existe uma pequena e importante mudança no pensamento dos cidadãos brasileiros quanto o assunto é aborto.
Se em novembro de 2015, 67% dos entrevistados concordavam com a manutenção da lei vigente, agora eles são 59%. O que, segundo o Datafolha, não significa necessariamente que mais pessoas sejam a favor da descriminalização do aborto, apenas que não estão satisfeitas com o que temos agora.
Em conversa com Marie Claire, o juiz José Henrique Torres, autor de Aborto e Constituição (ed. Estúdio Editores), disse que, no geral, as pessoas têm refletido mais em relação ao tema. O jurista ainda lembrou que aborto não pode ser encarado como uma questão de ser “contra ou a favor”.
“Se você faz uma pesquisa e pergunta se as pessoas são favoráveis ou contrárias ao aborto, é provável que elas apenas digam ‘não concordo’. Mas se a pergunta é ‘você acredita que uma mulher que aborta deve ser presa?’, as pessoas respondem diferente”, defende.
“Elas entendem que, a despeito de suas opiniões, mulheres não deveriam ser criminalizadas caso recorram a um aborto. Apesar do resultado da pesquisa trazer uma variação pequena, é possível sim perceber que o debate está se abrindo”, continua ele.
Outro dado do estudo aponta para um olhar mais permissivo em relação à legalização: os que a defendem em qualquer situação foram de 11% para 14%.
Apesar desses números, a pesquisa também mostrou que a parcela dos brasileiros que defende que a lei de aborto seja ampliada, inclusive para permitir mais situações legais, oscilou de 16% para 13%.
Sobre a penalização da mulher que realiza a interrupção de uma gestação, a maioria, 58%, pensa que ela deve ser presa – eram 57% em novembro de 2017. A porcentagem contrária a qualquer punição é de 33% – a taxa era de 36% ano passado.
José Henrique Torres comentou ainda que se a intenção de criminalizar a mulher pelo procedimento é salvar fetos, esse pensamento não ajuda em nada. “Aborto faz parte da vida sexual e reprodutiva das mulheres desde que o mundo é mundo. Elas sempre o realizaram e continuam procurando por ele mesmo na clandestinidade.”
“Criminalizar mulheres que abortam é afastá-las dos seus direitos”
Segundo o ginecologista Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto, o cerne da questão é se a mulher deve ou não ir para a cadeira se fizer um aborto. “Criminalizar mulheres que abortam é afastá-las dos seus direitos.”
Para o juiz Torres, votações sobre aborto em outros países, principalmente as mais recentes na Argentina, tem ajudado a esquentar o debate por aqui. Ele, inclusive, cita o exemplo de um país que desde 2012 descriminalizou a prática e conseguiu bons resultados para as mulheres, as principais afetadas pela questão. “No Uruguai, a taxa de mortalidade materna sofreu uma baixa histórica em poucos anos.”
Thomaz Gollop concorda com a constatação de Torres e opina sobre o debate público em torno do tema. “A discussão avança quando percebemos os exemplos em todo o mundo. O debate sobre aborto pode ser público, desde que as pessoas tenham informações corretas e percebam que o ponto principal é a penalização.”
Em relação aos avanços da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez no Brasil (a ADPF 442, que pede a exclusão do Código Penal dos artigos 124 e 126, que definem como crime a interrupção da gravidez tanto para a mulher, quanto para quem a ajuda a abortar), Torres acredita que os ministros do STF devem acatar. “O Supremo não está decidindo se é bom ou não fazer um aborto, está decidindo se é constitucional. Acredito que por isso eles devem decidir pela descriminalização.”
A presidenta da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, Zeca Rosado, propõe uma reflexão: “Quando perguntam sobre a lei atual, as pessoas não pensam que ela pode atingir mulheres próximas a elas. E é exatamente nesse ponto que devemos insistir: se sua irmã aborta, ela deve ser presa? Ou ela deveria ser acolhida para abortar com segurança pelo sistema público de saúde?”.
POR PRISCILLA GEREMIAS