Segundo instituto, 500 mil mulheres realizaram pelo menos uma interrupção de gestação em um ano. Isso significa quase uma mulher por minuto
(R7, 25/09/2018 – acesse no site de origem)
Nos últimos dez anos, o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou cerca de R$ 500 milhões somente para tratamentos referentes a complicações decorrentes da interrupção da gravidez. De acordo com uma estimativa do Ministério da Saúde, 250 mil internações por ano estão relacionadas ao aborto induzido irregularmente. Os casos mais extremos, que levam à morte da mulher, chegaram a dois mil na última década.
Segundo uma pesquisa realizada em 2016 pela Anis – Instituto de Bioética, uma em cada cinco mulheres até 40 anos realizou pelo menos um aborto. Em um ano, 500 mil mulheres realizaram pelo menos uma interrupção de gestação. Isso significa quase uma mulher por minuto. “Além de um gasto financeiro, é uma perda humana. Isso sem falar nas mulheres que morrem sem nem chegar ao sistema de saúde”, afirma Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora do Instituto.
Essas mortes, conforme diz a pesquisadora, são totalmente evitáveis. “O risco de morrer a partir de um aborto legal é insignificante”, diz. “Esses números, porém, revelam uma situação alarmante.”
Hoje, existem três situações em que a interrupção da gestação é permitida de acordo com a legislação: quando não há outro meio de salvar a vida da mulher, a gravidez é resultado de estupro ou ainda em casos de diagnósticos de anencefalia fetal. “Nessas situações, a mulher pode ser atendida em qualquer um dos estabelecimentos públicos de saúde que possuam serviços de obstetrícia”, declarou a pasta por meio de nota.
O problema, segundo o médico e presidente da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei da Febrasgo, Rosires de Andrade, mesmo nas situações permitidas por lei, há uma parte das mulheres que não têm acesso a esses serviços. “Existem hospitais que não dão assistência e a proibição não é suficiente para impedir que se faça o aborto.”
Complicações por aborto induzido representam a quarta causa de morte materna. As chances de complicações decorrentes de procedimentos irregulares, conforme explica Andrade, são muito elevadas. “Elas podem fazer o aborto com profissionais mal ou bem preparados. Muitas mulheres estão viajando para Portugal para interromper a gravidez.”
Outras mulheres de baixa renda recorrem à procedimentos que lhes impõem uma série de riscos. “Elas podem comprar pílulas abortivas, mas sem saber a dose do medicamento, podem fazer curetagem, que é meio mais feito, ou aspiração”, diz Andrade. Os procedimentos irregulares podem causar diversas complicações que levam às internações. As pílulas podem ter dosagens incertas ou ter procedências duvidosa. Já os procedimentos intrauterinos podem causar infecções, hemorragias e febres.
Descriminalização
Como o aborto é considerado crime no país, muitos profissionais, ao saberem que uma mulher realizou a interrupção da gravidez, chegam a chamar a polícia. “Se fosse descriminalizado, a interrupção da gravidez poderia ser realizada com um controle médico. Quando o procedimento é bem feito, a mulher não se sente mal, julgada ou criminosa.”
Em agosto, o tema da interrupção da gravidez chegou a ser debatido no STF (Supremo Tribunal Federal) para debater a possibilidade de o aborto não ser considerado crime quando feito até a 12ª semana de gravidez. “Há estudos que mostram que outros países que descriminalizaram o aborto adotaram esse marco”, afirma Gabriela, da Anis.
“São mulheres de todas as idades e classes sociais, com todos os perfis que recorrem à interrupção da gestação, mas ainda têm medo porque são vistas como criminosas”, afirma a advogada. “A descriminalização entrou na agenda política do país e cada vez mais se está olhando para os dados com o objetivo de discutir o aborto mais como uma questão de saúde e menos sob o ponto de vista unicamente moral.”
Aborto legal
O hospital Pérola Byington é um dos poucos autorizados a realizar o procedimento de interrupção da gravidez. De acordo com a ginecologista Maria Eugênia de Santi, responsável pelo setor de planejamento familiar, ocorrem, em média, oito interrupções por semana.
Nos casos das gestações mais adiantadas, a mulher passa por uma indução de trabalho de parto. Ela fica internada, medicada e sob monitoramento para observar a dilatação do colo do útero. A partir disso, é feita a curetagem. Caso a gestação esteja no início, o procedimento é mais simples.
“Uma mulher nunca escolhe deliberadamente interromper uma gravidez. Sempre há um custo emocional bastante importante”, diz a ginecologista. “É muito comum ver esse custo nas pacientes que voltam para o consultório depois. Elas acreditam que se trata de uma punição por terem feito uma escolha numa fase anterior da vida.”
Fabíola Perez