‘Há quem não fique do lado da pessoa por ela estar de lenço, depois de ter passado por quimioterapia’, diz Gilze Maria Costa Francisco, presidente do Instituto NeoMama de Santos.
(G1, 20/10/2018 – acesse no site de origem)
“Há quem pense que o câncer é contagioso, que uma pessoa que passou por quimioterapia não é mentalmente confiável. Há quem não sente no mesmo lugar que a portadora sentou, que não vista a mesma roupa que a portadora vestiu. Há quem não fique do lado da pessoa por ela estar de lenço, depois de ter passado por uma quimioterapia”. O desabafo é da enfermeira Gilze Maria Costa Francisco, de 57 anos, presidente do Instituto NeoMama de Santos, no litoral paulista, e portadora de câncer de mama desde 1999.
Além das dificuldades do tratamento da doença, o preconceito é outro obstáculo enfrentado pelas mulheres. Gilze alerta para ‘mitos’ que parte da sociedade continua a alimentar, que podem gerar interpretações distorcidas, e até descaso para com as portadoras. “Uma vez, apresentei um resultado de exame de sangue para saber se eu poderia fazer quimioterapia. Uma moça estava sentada ao meu lado. Quando ela viu que eu tinha câncer de mama, até sentou longe de mim, e não olhou mais na minha cara”, lembra.
O descaso é outro problema que pode vir de quem deveria tratar a saúde das portadoras da doença. Isabel Cristina da Silva Mathias, de 55 anos, descobriu o câncer de mama em abril de 2008. Ela conta que, após alterações verificadas em seu exame de mamografia, foi orientada a procurar um médico com urgência. “Ele disse que eu teria de fazer uma biópsia, para saber se o tipo de câncer era muito agressivo. Também disse para eu não me preocupar, porque aquilo era como uma gripe. Eu respondi: como gripe? O senhor vai prescrever quimioterapia para seus pacientes com gripe?”, questionou.
Após o desabafo, Isabel procurou outro médico para fazer o acompanhamento da doença. Lutando também contra a depressão e síndrome do pânico, ela lamenta que exista quem julgue a saúde da portadora de câncer pela aparência. “Se você não está careca, com o braço inchado e sem uma mama, você não tem problema algum. As pessoas não tratam você como uma pessoa que tem a doença”.
Débora da Luz Oliveira, de 55 anos, portadora de câncer de mama e de estômago, sofreu experiência semelhante. Mesmo com direito a carteira de gratuidade em serviços públicos, ela conta que teve o benefício negado. “Apresentei os diagnósticos e os documentos, mas o médico responsável pela liberação disse que eu estava bem, com uma boa aparência”.
Débora também relata que, devido à retirada da mama direita e dos nódulos, tem dificuldade para movimentar a região do braço direito. Por ter doença crônica, ela costuma entrar em filas e ocupar cadeiras preferenciais, e já foi obrigada a retirar sua prótese em um ônibus e em uma fila de banco, para acreditarem que era portadora de câncer. “Estava no supermercado, de lenço, e fui para a fila preferencial, porque ela estava vazia”, diz Débora. “Um senhor chegou depois e perguntou por que eu estava naquela fila. Respondi que tinha câncer, e que também era considerada preferencial, mas ainda assim ele reclamou”, desabafa.
Informações falsas
Ana Norberta de Souza Miranda, de 51 anos, descobriu ter câncer de mama em junho de 2017. Após enfrentar a quimioterapia e perder os cabelos, passou por uma situação que a deixou desconfortável. “Uma criança, de uns cinco anos, olhou para mim, se assustou e disse que eu havia ficado muito feia. A mãe respondeu que eu era doente, e que estava apenas passando por um tratamento. Na hora, esse ‘ela é doente’ me chocou bastante”, comenta Ana.
Ela achou a postura da mãe “desconfortável” para a criança. “Ela poderia ter explicado que eu estava passando por um processo de quimioterapia, e que os cabelos iriam crescer. Seria uma forma de passar educação para a filha”.
Para combater informações falsas e mitos, Gilze Francisco aconselha que as mulheres sempre procurem informações junto a médicos e instituições com credibilidade. Ela também pede que as pessoas não repliquem qualquer informação sem antes checarem se é verdadeira.
A presidente do NeoMama também afirma que as mulheres, mesmo sem serem portadoras, não podem se descuidar e deixar o tratamento de lado. “O câncer de mama é uma doença genética, que fica até a pessoa morrer. O histórico familiar influencia somente de 10% a 15% dos casos. De 85% a 90% dos casos de câncer são por mutações genéticas. O câncer de mama que tive em 1999 não se manifestou mais, mas ele pode retornar”, explica.
Débora Oliveira também pede que a sociedade não discrimine as portadoras de câncer. “Quero que me vejam como qualquer outra pessoa. Quem tem câncer não deve ser melhor cuidada do que uma que teve febre, por exemplo. Todas devem ter o cuidado adequado. Tenho minhas barreiras, mas dentro delas, vou ao meu limite”, afirma.
Daniel Gois – sob supervisão de Ivair Vieira Jr, do G1 Santos