Estudos apontam o quanto a diversidade é lucrativa
(O Globo, 07/01/2018 – acesse no site de origem)
Em 7 de dezembro, em Washington, no 170º período de sessões de trabalho da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – a qual tenho a imensa honra de integrar – foi aprovado o Informe “Desafios e Avanços dos Direitos das Pessoas LGBTI nas Américas”.
Considerando os parâmetros protetivos regionais, o informe tem o objetivo de identificar e difundir as boas práticas da região, no que se refere ao dever jurídico dos Estados de prevenir, combater e punir a discriminação e a violência em face das pessoas LGBTI.
O direito a uma vida livre de violência demanda dos Estados o dever de prevenir, investigar, processar, punir e reparar a violência baseada na orientação sexual e identidade de gênero, adotando todas as medidas necessárias. O Informe sobre a Violência contra os Direitos das Pessoas LGBTI (lançado pela Comissão em 2015) foi capaz de revelar o singular grau de brutalidade e crueldade da violência baseada na orientação sexual e identidade de gênero, sofrendo as pessoas trans violência ainda mais acentuada. Se na América Latina a expectativa de vida de homens é de 73 anos e de mulheres é de 79 anos, o relatório invocou a situação dramática das mulheres trans, cuja expectativa de vida é de 35 anos – metade da vida roubada pela violência homofóbica.
Neste contexto, fundamental é avançar em marcos legislativos, políticas públicas e decisões judiciais que assegurem o direito a uma vida livre de violência. Na região, crescente é o número de Estados a adotar protocolos específicos para a prevenção e combate à violência baseada na diversidade sexual, como demonstra, dentre outras, a experiência argentina (cabendo também destaque ao Pacto contra a Violência LGBTfóbica lançado no Brasil em 2018).
Por sua vez, o direito à igualdade demanda dos Estados o dever de prevenir, investigar, processar, punir e reparar a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero, adotando todas as medidas necessárias. Cabe realce à decisão da Corte Suprema dos EUA que, fundada na cláusula da igualdade e não discriminação, reconheceu o direito ao matrimônio igualitário como um direito amparado na Constituição – se há dez anos apenas um estado protegia este direito, hoje mais de 36 estados o fazem. Na esfera regional, a Argentina foi o primeiro país a assegurar o direito ao matrimônio igualitário (em 2010) e o direito à identidade de gênero (em 2012). O Uruguai promulgou em novembro a Lei Integral de Pessoas Trans, considerada uma referência internacional na matéria.
Avanços voltados à proteção das uniões homoafetivas e do direito à identidade de gênero foram também registrados, dentre outros, na Costa Rica, no Chile, na Colômbia, no México, no Equador, no Canadá e no Brasil (cabendo menção às decisões do STF de 2011 e 2018, com eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente à Administração Pública e ao Judiciário). Em 8 dezembro, ao participar de conferência internacional sobre o tema, em Nova York, tive o prazer de conhecer as jovens advogadas do histórico julgamento proferido na Índia pela Corte Suprema, em setembro de 2018. A decisão afastou a lei (ainda dos tempos coloniais) que, por 157 anos, criminalizava as práticas homossexuais, garantindo a prevalência dos valores constitucionais da igualdade e da dignidade (caso Navtej Singh Johar e outros contra Índia).
Estudos do Banco Mundial estimam o impacto econômico da decisão: o incremento de 1,7% do PIB da Índia, correspondente a US$ 30,8 bilhões. No mesmo sentido, outros estudos apontam o quanto a diversidade é lucrativa (por exemplo, relatório da Mckinsey sobre o poder da paridade conclui que avançar na igualdade de gênero poderia adicionar US$12 trilhões ao crescimento mundial). Os comandos jurídicos constitucionais fundados na cláusula da igualdade e não discriminação aliados aos parâmetros jurídicos interamericanos enunciam o direito a uma vida livre de violência, com igualdade, respeito e dignidade. A estes direitos correspondem deveres jurídicos dos Estados em adotar todas as medidas necessárias. Não bastando a imperatividade dos comandos constitucionais e internacionais, adicione-se o impacto econômico: violar direitos implica em elevado custo, ao passo que promover direitos impulsiona o desenvolvimento inclusivo. Por fim, a exclusão, a violência e a discriminação são absolutamente incompatíveis com o estado democrático de direito, em que se faz urgente combater a impunidade de graves violações – afinal, ninguém pode estar acima da legalidade, nem tampouco abaixo dela.
Flávia Piovesan é professora de Direito da PUC/SP, procuradora licenciada do Estado de São Paulo e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos