Diretora do Instituto Patrícia Galvão defende acesso à informação para reduzir violência doméstica.
(HuffPost Brasil, 09/01/2019 – acesse no site de origem)
A luta é antiga e objetivo é claro. São cerca de 40 anos de atuação profissional na área, desde uma época em que o assunto ainda não era tão debatido como hoje. Jacira Melo, 61 anos, diretora do Instituto Patrícia Galvão, organização que atua pelos direitos das mulheres, começou a se envolver com o feminismo ainda na faculdade, antes dos anos 80. Na época, ela participou da criação de um grupo chamado 8 de Março e lembra que até a data, o Dia Internacional da Mulher, não era tão conhecido ainda. E foi nessa época que começou sua atuação feminista. Estudante de filosofia, Jacira participou de encontros importantes para o movimento no Brasil e logo começou a trabalhar com violência contra a mulher. “Eu e outras parcerias feministas vimos que era importante ter um espaço de atenção à violência contra as mulheres e criamos o SOS Mulher, em São Paulo, em 1980 e a grande contribuição foi dar visibilidade à violência contra as mulheres”.
Mas, na verdade, suas primeiras descobertas nesse quesito ocorreram ainda mais cedo. Observou em sua casa, no comportamento do pai, “um homem militar, nascido em Alagoas”, algo que sabia que podia – e tinha que – combater. Estava naturalizado no discurso do pai: Jacira e as outras três irmãs poderiam estudar apenas até concluir o Ensino Fundamental II que já seria suficiente. Curso superior era apenas para o irmão. “Ele foi um pai muito presente, muito dedicado, mas dizia que com esse estudo nós [mulheres] já estaríamos preparadas para a vida de casadas. E com a minha mãe era um companheiro nada solidário e ela sonhava em trabalhar, ter uma vida própria e isso era impossível e acima de tudo era um parceiro que cometia a violência psicológica, sempre desqualificando minha mãe”.
É uma luta apaixonante, você entra e não sai mais porque tem a ver com a liberdade de ser, o direito de viver uma vida sem violência desde pequena.
Quando tinha dez anos, começou a enfrentar o pai porque não queria que ele falasse com a mãe do jeito que falava. Comprou muita briga até que o pai chegou a ameaçar deixar de pagar sua escola se a filha insistisse em se intrometer na relação dos dois. Foi quando Jacira decidiu então, já com 14 anos, que ia trabalhar para pagar o colégio. “Sempre tive uma relação afetiva forte com meu pai e enfrentá-lo foi importante para o meu amadurecimento como mulher, para encontrar o meu lugar de mulher no mundo e minha mãe não merecia passar por aquela situação, ela merecia uma vida sem violência”.
Levou essa máxima para todo o seu futuro. E também o aprendizado de que a violência começa sempre dentro do ambiente doméstico e de que não se trata de casos de fórum íntimo. “A violência que acontece dentro de casa é a primeira linguagem de violência que as crianças aprendem, é o primeiro momento onde se resolve os conflitos na base da violência e se naturaliza isso no espaço público. Isso é muito grave e ainda está muito profundo na visão das sociedades de que a violência contra as mulheres é um problema de fórum íntimo e ele não é. É social e exige a reação de cada uma de nós”.