Na coluna desta semana, Debora Diniz explica como discurso retrógrado da ministra tem efeito contrário
(Marie Claire, 16/01/2019 – acesse no site de origem)
Feministas são feias, mal-amadas e não se depilam. Mais do que sapatões de sítio, feministas não gostam de homens. Queriam ser como eles, por isso propõem uma inversão de valores no mundo vestindo rosa nos meninos e azul nas meninas. Feministas desorganizam a casa, pedem para os filhos lavarem a louça ou arrumarem o quarto. É tão grave o que fazem as feministas que sequer querem mais filhos, por isso lutam por descriminalizar o aborto. Em resumo, as feministas são mulheres problemáticas que mais deveriam estar em um hospício que pelas ruas.
Eu sou uma feminista. Não preciso aqui listar quantas roupas azuis havia no meu guarda-roupa quando criança para avaliar se tive um desenvolvimento de gênero apropriado à minha sexagem ao nascer. Sou casada com um homem, o mesmo há 25 anos, numa relação mais normalizada que a de homens e mulheres de bem que apontam o dedo para a vida alheia. Nunca fiz um aborto, mas estou convencida que nenhuma mulher pode ser presa por abortar. Não tenho filhos para ensiná-los sobre lavar pratos ou passar roupa, mas não descrevo o trabalho doméstico de maridos ou companheiros como “ajuda”. Em minha família, os dois cuidamos da casa, do orçamento, e planejamos o cuidado de nossos dependentes.
Ministra Damares é só uma voz ruidosa das que repetem essas fantasias sobre as feministas. E o faz a partir de um roteiro – ao mesmo tempo em que diz “fui violentada na infância” ou “sou mãe sozinha”, repete as tolices de “feministas feias”. Se sinto compaixão pelo horror de sua experiência infantil, não me provoca sua biografia para as “novas formas de família”. Há décadas mulheres negras e pobres são chefes de família, sozinhas por vontade própria ou abandono, e jamais essa foi uma bandeira de reconhecimento à diversidade. Essa é uma típica frase de mulheres burguesas sobre a maternidade solitária como um projeto feminista, o que não parece ser o caso da ministra, ou de mulheres da casa grande que “pegavam meninas para criar”. Não duvido do amor e do cuidado da ministra à sua filha, só não me convence a personagem para o papel de famílias alternativas.
Assim como não há um termômetro para o feminismo ou um rito de iniciação como fazem os grupos religiosos, não há uma feminista típica. O feminismo como forma de vida, conjunto de ideias e valores, práticas e políticas é o que garantiu que uma mulher chegasse à ministra de direitos humanos de um país com valores patriarcais. É verdade que, no atual jogo de homens bravos que fazem flexão de braço uns aos outros como saudação mútua, o posto de Damares é parte do jogo masculino, por isso a pastora se torna ainda mais uma personagem caricata. Ela é o feminino que faz broma de todas nós – feministas ou não – pois arranca da história o que nossas antepassadas lutaram para vencer.
É bom que Damares seja bufona no cargo. Fortalece o feminismo, pois uma geração de meninas, adolescentes, mulheres comuns que jamais pensariam sobre o feminismo passam não só a abraçá-lo como levar adiante suas mensagens. Não por acaso muitas mulheres e homens repetiram causa feminista simples após o episódio das cores – vestiram-se como quiseram no trabalho, na casa ou nas televisões. Quanto mais Damares odiar o feminismo, mais fortes as feministas sairão desta história. Não importam quem sejamos, nomeiem-se como quiserem. O grupo que faz graça da pastora só aumenta. E no humor nos fortalecemos como feministas.