País ocupa 11ª posição em relatório; ponto negativo é prevenção à violência sexual
(Folha de S.Paulo, 20/01/2019 – acesse no site de origem)
A análise é de um relatório do setor de pesquisas da revista britânica The Economist publicado nesta semana, que avaliou dados quantitativos e qualitativos de 40 países, que reúnem 70% da população global de crianças.
O Brasil ocupa a 11ª melhor colocação, com 62,4 pontos, em escala que chega a cem, em estratégias de combate a esses crimes. Está acima da média do grupo, de 55,4 pontos. A Argentina, por exemplo, marcou 45,4 pontos. A pontuação é composta por 34 indicadores e 132 subindicadores.
Embora os dez países mais bem colocados (pontuação acima de 75) figurem entre os mais ricos do mundo, como Reino Unido (82,7), Suécia (81,5) e Canadá (75,3), melhores índices socioeconômicos não implicam diretamente em maior proteção às crianças, segundo o relatório.
Mas, quanto maior a pontuação do país no chamado índice de democracia (medido pela Economist), maior a probabilidade de que as crianças estejam protegidas.
“O estigma e a falta de discussão aberta sobre sexo, direitos das crianças e gênero geram repercussões negativas na habilidade de um país proteger suas crianças”, dizem os autores do relatório.
Segundo registros do SUS, 49,5 mil meninas de 10 a 19 anos sofreram estupro de 2011 a 2016, média de 23 por dia. Em 58% dos casos, o crime ocorreu na residência. Em 36%, familiares ou parceiros íntimos foram os prováveis autores.
A discussão vem no momento em que a educação sexual nas escolas está sob ataques do governo de Jair Bolsonaro (PSL). “Quem ensina sexo para as crianças é o papai e a mamãe”, disse o presidente em novembro. No mês seguinte, o escritor Olavo Carvalho, apontado como ideólogo de Bolsonaro, foi além: “Quanto mais educação sexual, mais putaria nas escolas”.
A Câmara dos Deputados, por sua vez, discute proposta que restringe a inclusão do tema nas escolas, o chamado Escola sem Partido.
Ela prevê que os valores familiares devem ter “precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”. Determina ainda que não serão adotadas políticas que usem os termos “gênero” e “orientação sexual”.
O relatório considera diversas formas de violência sexual, como estupros, exploração sexual, exposição a imagens e linguagem sexual, casamento infantil, entre outros.
“Estamos no princípio de mudanças de atitudes entre adultos [no que diz respeito a abusos sexuais, como o movimento #MeToo], mas não particularmente sobre as crianças”, diz Carol Bellamy, da ECPAT International (rede global para combate à exploração sexual de crianças), no relatório.
O documento avalia quatro quesitos principais: o ambiente (como a segurança e a estabilidade em um país); as legislações de proteção às crianças; o compromisso e capacidade dos governos de executar as políticas no setor e o engajamento do setor privado, da sociedade civil e da mídia.
O Brasil aparece com pontuação acima da média em todos os quesitos, com exceção do compromisso e capacidade dos governos: globalmente, o índice foi de 50,4, mas o Brasil aparece com 48,1 pontos.
Entre as iniciativas positivas adotadas pelo país, a Childhood Brasil cita uma lei, de 2017, que garante direitos a menores de idade vítimas ou testemunhas de violência, incluindo a sexual. Um deles é o acesso à escuta protegida, ou seja, as denúncias devem ser apresentadas em um ambiente seguro, acolhedor e sob controle de profissionais qualificados.
Entre limitações brasileiras, o relatório cita falhas na coleta de dados sobre violência sexual contra crianças e a insuficiência de programas de prevenção aos abusadores.
O documento apresenta iniciativas que têm se mostrado eficazes na prevenção e tratamento desse tipo de violência. Na Alemanha, por exemplo, há um projeto na área da prevenção que oferece a pedófilos um tratamento terapêutico gratuito e confidencial, com abordagens que buscam uma autogestão da libido.
Uma outra questão abordada no relatório foi sobre a violência sexual sofrida por meninos, que tende a ser negligenciada.
PESQUISAS AVALIOU LEIS CONTRA O ABUSO SEXUAL INFANTIL
62,4 pontos obtidos pelo Brasil na avaliação de política de combate ao abuso e exploração sexual, numa escala de 0 a 100
82,7 foi a pontuação do Reino Unido, o mais bem colocado na pesquisa
53,4 foi a pontuação obtida pela Malásia, na lanterna do estudo
Cláudia Collucci