Mulheres são maioria nas universidades, mas não coordenam estudos científicos

11 de fevereiro, 2019

Elas se afastam mais do trabalho para cuidar da saúde da família, são menos convidadas para pesquisas internacionais e não participam da gestão de financiamentos

(O Globo, 11/02/2019 – acesse no site de origem)

Já fazia parte da rotina. A bióloga Rafaela Falaschi conversava com outras mulheres sobre as dificuldades que enfrentavam no mundo acadêmico e era interrompida pelos homens, que a chamavam de “amarga” e asseguravam que não havia machismo nos laboratórios. Após ouvir relatos parecidos, decidiu criar o site “Mulheres na Ciência”, onde artigos poderiam ser compartilhados e comentados sob o ponto de vista feminino. Em apenas um mês, a iniciativa atraiu mil pessoas. E tornou-se um exemplo da tomada de espaços antes monopolizados por homens em diversas áreas de pesquisa.

Hoje, quando se comemora o Dia Internacional das Mulheres na Ciência, levantamentos mostram como elas assinam cada vez mais artigos, ampliaram seu registro de patentes e parcerias internacionais. Brasil e Portugal são os países com maior equidade de gênero no mundo científico, deixando para trás os Estados Unidos e a União Europeia. Ainda assim, ressalta Rafaela, há muitos desafios pela frente, como debater os cargos e os financiamentos disponíveis para elas.

DESIGUALDADE HISTÓRICA

Homens predominam entre quantidade total de pesquisadores. patentes registradas e colaborações internacionais

O percentual de mulheres que se dedicam à ciência diminui à medida em que elas progridem na carreira — lamenta. — São diversos motivos, especialmente os voltados aos estereótipos de gênero, além do ambiente ainda muito hostil tanto na academia quanto em espaços empresariais. Os números podem ser crescentes de mulheres com diploma universitário, mas o caminho para alcançar a equidade em postos de chefia, onde as decisões são tomadas, ainda é longo.

Um relatório publicado em 2017 pela consultoria holandesa Elsevier, que analisou mais de 5,5 milhões de estudos, atestou como a distribuição das mulheres na ciência é desequilibrada. Elas são pelo menos 40% do contingente dedicado às áreas de Humanas e Biológicas. No entanto, são menos de 25% do contingente de Exatas, que abrange carreiras como Engenharia, Matemática e Física.

— Desde cedo as mulheres são desestimuladas a seguir carreira nas ciências duras por falta de aptidão natural, e por isso tendem a evitá-las — explica Rafaela. — Outro fator que explicaria este fenômeno é o estereótipo da figura do cientista. Em geral imagina-se que ele é um homem branco, velho, despenteado, com cara de maluco e de jaleco branco.

Meghie Rodrigues, pesquisadora da Diretoria de Desenvolvimento Científico do Museu do Amanhã, acredita que, nos últimos anos, o cenário retratado pelo levantamento holandês está mudando:

— Há um preconceito arraigado sobre o que é “profissão de homem” e “profissão de mulher”. De fato, a participação das mulheres nas engenharias é muito pequena, realmente vergonhosa, mas a academia está cada vez mais engajada em debater esta representatividade.

Obrigações familiares

Entre os estudantes que ingressam no ensino superior, 57% são mulheres, mas os homens lideram na outra ponta: formam a maioria do corpo docente (54%) e têm mais bolsas de produtividade em pesquisa (64%), segundo o Inep, o CNPq e a iniciativa “Parent in Science”. Presidente emérita da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader lembra que as mulheres acumulam obrigações que podem afetar sua trajetória profissional.

— As mulheres têm filhos e, por isso, se afastam da profissão — destaca Nader, que foi a terceira mulher a presidir a SBPC, uma entidade fundada em 1948. — A segregação é enorme, porque ela é vista como a responsável por tomar conta da casa.

Em seu relatório, a Elsevier assinala que as mulheres, além da maternidade, também deixam mais o trabalho do que o homem para cuidar da saúde de membros da família. Como resultado, recebem menos convites para participar de pesquisas internacionais e conferências no exterior.

— Isso reforça a opinião pública de que as mulheres são menos competentes ou capazes para ocupar empregos científicos — avalia Rafaela.

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