O desafio de nascer menina começa cedo para as mulheres dos povos originários. Com avós, mães e tias aprendem quase sempre tradições passadas em suas culturas milenares. Como a mãe terra, possuem o grande dom de trazer ao mundo outras vidas.
(Usina de Valores, 12/03/2019 – acesse no site de origem)
São meninas cuja maior característica é a diferença e também o que possuem em comum: a relação de suas culturas com o meio ambiente, junto de laços de ancestralidade que conectam seus mundos e cotidianos.
É preciso mudar o imaginário sobre as mulheres, os espaços ou lugares que ocupam, em suas vidas pessoais e profissionais. Na construção de imaginários sociais ocidentais, a mulher indígena ainda é vista como a personagem não protagonista de sua cultura, chamada pejorativamente de ‘índia’, sem um nome.
Objetificada na TV, cinema e literatura indianista. A fetichização do corpo indígena é um dos maiores causadores de violências sexuais contra mulheres de origem ameríndia em ambiente urbano. Inferiorizada e classificada ora como submissa ou inocente, ora como selvagem, em livros e filmes que traduzem visões coloniais.
A racialização não caracteriza quem é ou não é indígena, mas a identidade étnica cultural sim. No nordeste e no litoral, grande parte das etnias possuem pelo menos 519 anos de contato. Por isso, estereótipos raciais e fenótipos indígenas não devem ser cristalizados, uma vez que existem diferenças regionais, físicas e de tempo de contato para cada povo originário.
Existem indígenas aldeados, isolados, em contexto urbano, isso se aplica a realidade das mulheres. Por isso, não existe um jeito de ser mulher indígena ou uma aparência racial única, mas sim múltiplas e diversas realidades que coexistem no território.
As estatísticas apontam que indígenas têm mais chance de serem estupradas do que outras mulheres. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2010, mostra que mais de uma em cada três é estuprada durante a vida. O estupro é utilizado por muito tempo como forma de desmoralizar comunidades na invasão de territórios e limpeza étnica racial.
É comum escutar sobre histórias antigas de pessoas ‘pegas no laço’, levadas por homens para longe de suas aldeias, algumas mortas, outras escravizadas e tendo filhos nestas relações de violência. A exploração sexual de mulheres e meninas indígenas é uma preocupação de lideranças que enfrentam grupos criminosos em áreas de vulnerabilidade e desigualdades sociais.
Feminismos sem ismos
A pluralidade das mulheres indígenas é limitada na perspectiva dominante de feminismo das mulheres não indígenas. Por isso, não é possível abordar sobre um feminismo indígena para tentar explicar o movimento dessas mulheres originárias dentro e fora das aldeias.
São feminismos no plural, de nomenclaturas variadas, que não podem ser pensados em pontos de vista dos moldes eurocêntricos, das mulheres que possuem uma outra origem sociocultural.
A mulher indígena possui especificidades que quase sempre a faz excluída de demandas governamentais e na elaboração de políticas públicas. Passam também por conflitos e alterações de papéis em suas comunidades por conta dos efeitos da colonização e evangelização.
Até mesmo em culturas indígenas matriarcais, o lugar da mulher foi modificado ao torná-la adepta de alguma religião com características patriarcais, diferentes de sua cultura, ou por escolha de suas famílias.
Apenas um gênero ou separação por gêneros não é algo que todos os povos possuem em comum. Existe muita coletividade na divisão de tarefas, visões diversas da sexualidade, ou até mesmo ausência de gênero em alguns indivíduos.
Renata Machado Tupinambá e Priscila Tapajowara