Por dia, no Brasil, 1.550 gestantes abortam ilegalmente. Mulheres e médicos contam como é feito esse aborto
(Universa, 19/03/2019 – acesse a íntegra no site de origem)
Mulheres engravidam. Mulheres viram mães. Mulheres abortam.
A terceira frase da sentença acima é tão verdadeira quanto as duas outras. Você pode não gostar, mas não adianta reclamar para o bispo. Nem para o Papa: uma em cada cinco mulheres de até 40 anos no Brasil já abortou.
O dado é da Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, realizada pela Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. A ONG foi uma das especialistas nomeadas pelo STF para ser ouvida na arguição que discutiu, em 2012, a inclusão do aborto legal em casos de fetos anencéfalos; a possibilidade terminou virando lei.
Esta reportagem não pretende defender a interrupção da gravidez nos casos ilegais e nem criticá-la. Vamos mostrar como as mulheres abortam. As que têm dinheiro, em clínicas, e as que não, em qualquer outro lugar. A repórter desta matéria se passou por grávida e esteve numa clínica. E também entrevistou mulheres que abortaram, médicos e “aborteiras”, como são chamadas as mulheres que fazem o procedimento sem ter diploma.
Este é um documento vivo sobre a morte de fetos, mulheres e crianças. Sobre os números assustadores dos abortos ilegais — um deles: o SUS gastou R$ 500 milhões com complicações de aborto ilegal nos últimos dez anos — e com relatos pungentes; tais como o de Erica que, em vídeo, contou das dores lancinantes que sentiu ao abortar com remédios, na cama que dividia com o marido.
“Foi a maior dor que senti na vida. Mais intensa que a do parto. Cheguei a desmaiar”, conta Erica. “Estou me separando de um marido violento e já tenho dois filhos. Sou a favor da vida, mas não acho que seja a hora de gerar uma agora. Tinha que ser feito.”
Todo dia, cerca de 1.500 mulheres abortam de maneira ilegal no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, num dia, o SUS faz abortos legais em 4,5 mulheres. Para as fora da lei que podem pagar para um obstetra, a questão é (financeiramente) resolvida com algo entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. E anestesia. Para as que não, sobram os banheiros, as camas e os colchões, muitas vezes, de um açougueiro. E a dor.
No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro, se a gravidez oferecer risco à vida da mãe e quando o feto é anencefálico. A pena para mulheres que o praticam fora dessas condições chega a três anos de prisão.
Atenção à coragem e crueza do que diz à Universa o diretor do Núcleo de Violência Sexual do Pérola Byington, André Luiz Malavasi, principal hospital que realiza abortos legais no país: “A legislação sobre o aborto é antiga. A decisão de abortar deve ser da mulher e nem igreja ou estado devem interferir. A realidade é que se a mulher quiser abortar, ninguém vai impedir. Nem a lei. O que muda é que as ricas vivem e as pobres morrem”.
Senhora(e)s política(o)s, mães, pais e sem-filhos: ninguém é a favor do aborto. Mas ninguém vai fazer com que eles parem de acontecer.
Talyta Vespa