Metade das mulheres que têm filhos perdem o emprego em até dois anos depois da licença-maternidade. O dado é fruto de um estudo realizado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), em 2017, que envolveu 247 mil mulheres com idade entre 25 e 35 anos. Boa parte desse público alega ter sofrido hostilidade no ambiente profissional desde a gestação.
(Universa, 09/04/2019 – acesse no site de origem)
É o caso das entrevistadas a seguir, que contam como sentiram falta de apoio ao se descobrirem mães e ao serem demitidas logo após a chegada do bebê.
“Fui demitida um dia depois de avisar que estava grávida”
“Assim que descobri a gravidez do meu segundo filho, mandei um e-mail aos meus empregadores informando o fato. Já tinha quatro anos de empresa. No dia seguinte, pensando que ia receber as felicitações, encontrei com meus chefes e eles me demitiram sumariamente. Uma semana depois, por meio de um representante, me mandaram assinar um documento que descrevia uma demissão por justa causa, alegando desídia –que significa uma espécie de negligência no desempenho das funções. Porém, naquela época, eu trabalhava de 12 a 16 horas por dia e tinha como provar isso. Não assinei o documento e entrei em contato com uma advogada imediatamente. Hoje, o processo está em terceira instância e eu ganhei tudo o que pedi. Mas está sendo muito desgastante. Agora, trabalho em uma outra empresa, que tem uma postura totalmente diferente. Quando engravidei do meu terceiro filho, meus colegas e chefes me respeitaram, me ligavam perguntando como eu estava durante a licença e, ao retornar, fui muito bem recebida. Posso dizer que conto com a compreensão de todos nesse novo ambiente profissional.” Mariana Godói Dias*, 33 anos, analista de sistemas.
“Fui demitida ao voltar da licença e escondo que tenho filho para concorrer a vagas “
“Trabalhava na empresa há cinco anos, sempre fui muito bem avaliada e reconhecida, estava em um cargo de liderança há cerca de um ano e meio quando engravidei. Naquele momento, a empresa começou a ter problemas financeiros e a fazer um movimento de demissões. Mas passei toda a gravidez trabalhando normalmente e tive seis meses de licença maternidade, conforme a política interna. No final da licença, minha chefe disse, por telefone, que me demitiria, e que eu precisaria tirar as férias a que tinha direito, não me deu muita opção. Então, emendei mais 30 dias de férias à
licença e, no dia em que deveria voltar ao trabalho, fui ao escritório apenas para assinar os papéis do desligamento. Meu filho tinha sete meses na época e não recebi nenhum apoio. Fiquei sem chão, porque, obviamente, era quando eu mais precisava de um emprego, agora que tinha filho para criar. Mas a maior dificuldade foi depois, nas inúmeras entrevistas de emprego que fiz e ainda faço: em quase todas a conversa termina quando eu digo que tenho um filho de menos de 3 anos. Isso é o mais surpreendente para mim. Os entrevistadores me perguntam sempre com quem meu filho vai ficar, o que acontece se ele fica doente e outros absurdos. Hoje, ainda estou buscando uma oportunidade e, se recebo uma ligação sobre alguma vaga, já nem digo que tenho filho.” Gabriela Blanco, 33 anos, jornalista
“Cheguei a ser repreendida por ir muitas vezes ao banheiro”
“No momento em que contei que estava grávida, já me senti julgada. Meus gestores disseram que não esperavam, pois eu não era casada. Daí em diante, sempre tive dificuldade de sair no horário do expediente para fazer consultas e exames de rotina. Cheguei a ser repreendida por estar indo muitas vezes ao banheiro. No final da gestação, para deixar tudo organizado, tive que lidar com o excesso de trabalho. Corri risco de vida por conta da pré-eclâmpsia que tive e ainda engordei 27 quilos. O excesso de peso gerou dificuldades em exercer algumas tarefas e, como ficava muito tempo sentada, acabou por prejudicar minha circulação. Mesmo informando todos os riscos de saúde que corria, a empresa não fez nada. Mas os piores momentos vieram após o nascimento do meu filho, fui demitida quando ele tinha seis meses, logo que terminou o período de estabilidade. Eu perdi meu emprego por ter engravidado, por ser mãe, mas, sobretudo por não ter ficado calada e por ter denunciado a minha gestora aos superiores, explicando todo o assédio moral que eu estava sofrendo desde o início. A empresa preferiu demitir uma ótima profissional a encarar os fatos e o preconceito que ainda imperava ali dentro. Eu entrei em depressão e me trato até agora. Mas, felizmente, consegui me reerguer e tenho o meu próprio negócio. Trabalho em casa e tenho flexibilidade para estar bem próxima do meu filho.” Agatha Barreto Connisky, 29 anos, empresária.
“A empresa me demitiu alegando que estava tentando me ajudar”
“Estava na empresa há sete anos e, quando meu filho nasceu, consegui ficar com ele durante os quatro meses de licença maternidade e ainda peguei dois meses de férias. Meu filho nasceu com autismo, então, ele exigia mais cuidados. Quando deveria voltar ao trabalho, a empresa me demitiu, cumpri um mês de aviso em casa assim que acabaram as minhas férias. Eles me convenceram de que estavam tentando me ajudar fazendo isso, porque eu precisava cuidar do meu filho, então, acabei nem indo à Justiça. Só que eu não tinha condições de me manter sem trabalho. Após três meses da demissão, iniciei um curso técnico em Turismo, me identificava com o segmento e vi a oportunidade de ter um negócio dentro da minha casa, com flexibilidade de horário. Mudei de Santos para Joinville e abri uma franquia. Consegui me restabelecer, mas sei que nem todas as mulheres fazem esse caminho de volta.” Luciana Reis El Gadeh, 44 anos, empresária.
“A empresa já tinha fama de demitir após a licença. E foi exatamente o que aconteceu comigo”
“Assim que eu descobri que estava grávida, entrei em contato com o RH e dei continuidade ao meu trabalho, normalmente. Sempre fui uma profissional muito comprometida. Mas a empresa tinha fama de mandar as mulheres embora, logo depois da licença. Então, eu já saí de olho em oportunidades, porque sabia que poderia não voltar. E foi exatamente o que aconteceu. Retornei da licença e me demitiram, no mesmo dia, meu filho tinha quatro meses. Foi muito constrangedor, as pessoas me olhavam com indiferença, eu já não podia fazer ligações, meus acessos estavam todos bloqueados. Quase que imediatamente, consegui outro emprego, onde estou até hoje, há mais de um ano. Mas eu não aceitei o que fizeram comigo e entrei com ação judicial contra a empresa, o processo ainda está correndo. Atualmente, ganho mais e me sinto muito valorizada. Agradeço por ter tomado a iniciativa de procurar algo melhor para mim, diante desse descaso total do meu ex-empregador.” Aliandra Schlachta Barbosa, 33 anos, bancária.
“Fui demitida pelo Facebook quando meu filho tinha um mês”
“Um mês após do nascimento do meu filho, fui demitida, há pouco mais de dez meses. O tratamento na empresa nunca foi bom durante a minha gravidez, pois os gestores não queriam que eu deixasse de fazer algumas funções, mesmo que eu apresentasse algum mal-estar. Minha mesa era no segundo andar e chegou um período em que eu pedi para mudar, porque subia e descia a escada sem parar. Mas eles simplesmente me ignoravam. Toda vez que precisava sair para consultas, ouvia piadinhas. Quando o meu bebê nasceu, saí de licença e, trinta dias depois, a secretária me demitiu pelo Facebook, me pediu para ir até lá e assinar o aviso prévio. Os donos da empresa nem olharam na minha cara, me demitiram sem consideração alguma. Não foi fácil me recolocar no mercado, então, resolvi abrir a minha própria empresa. Não está sendo fácil, mas tenho certeza de que, aos poucos, vou conseguir o meu espaço.” Valdineia da Silva, 32 anos, assessora de influenciadores.
* Nome trocado a pedido da entrevistada