80% dos réus por feminicídio cometidos em 2018 no Grande Rio estão presos

17 de abril, 2019

Levantamento do G1 é baseado nos dados do Tribunal de Justiça, com casos de feminicídio em em andamento na Justiça. Especialistas consideram dado ‘positivo’, 4 anos após lei que qualifica crime.

(G1, 17/04/2019 – acesse no site de origem)

Oito em cada dez réus por feminicídio cometidos no Grande Rio em 2018 estão presos. É o que mostra um levantamento exclusivo do G1, que inicia nesta quarta-feira (17) uma série de reportagens sobre o tema.

A pesquisa, baseada nos dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), identificou 47 ações penais com essa tipificação na Região Metropolitana – área de 21 municípios formada pela capital, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, as 13 cidades da Baixada Fluminense mais Tanguá, Cachoeiras de Macacu e Rio Bonito.

Dos 47 processos analisados, 38 acusados estão detidos com prisão preventiva decretada, um número que equivale a 80%. Entre os presos, um já foi condenado e outros oito têm julgamento marcado.

A pesquisa aponta ainda que quatro acusados respondem ao processo em liberdade (veja os dados abaixo) e cinco estão foragidos.

Um dos procurados é Paulo Fernando de Lima Júnior, acusado de matar a namorada Claudia Miotello da Silva, em agosto, em Queimados.

“Rezo todo dia pra que ele seja preso, pela dor que ele causou à minha mãe e a todos”, diz Lucas Miotello, filho da vítima.

O Observatório Judicial da Violência Contra a Mulher aponta que em todo o estado do Rio foram registrados 88 casos de feminicídio em 2018, entre eles estão casos do Sul e interior do RJ e também crimes de tentativa de feminicídio, que não foram analisados no levantamento feito pelo G1.

80% dos acusados de feminicídios cometidos na Região Metropolitana do RJ em 2018, com caso na Justiça, estão na cadeia — Foto: Igor Estrella/ Arte G1

Embora o número das prisões referentes aos crimes do ano passado não possa ser comparado aos anos anteriores – pois não existem levantamentos com esses dados – especialistas consideram “relevante e positivo” o fato de terem sido efetivadas 80% de detenções.

“É um dado relevante, de alguma forma, até positivo. A gente comemora o número de prisões, isso é importante porque o sistema de Justiça está ali dizendo: ‘É um crime grave, precisa haver efetividade e punição para esses agressores’. Mas, ao mesmo tempo, quando vemos esse número elevado, também discutimos em que tipo de sociedade a gente está vivendo, tão polarizada, onde a cultura do ódio, da dominação, ainda está tão presente”, opina a juíza Adriana Ramos de Mello, titular do 1° Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

Entre os casos que ganharam destaque no ano passado estão o da corretora Karina Garofalo, executada a tiros em agosto, no Recreio, na frente do filho, a mando do ex-marido; o de Patrícia Mitie Koike, espancada pelo namorado até a morte após discussão no mês abril, em Nova Iguaçu; e o de Cristiane Ferreira da Silva, assassinada pelo namorado com um tiro de fuzil na frente da filha no Jacarezinho. Todos os acusados pelos crimes estão presos.

“Infelizmente, a minha prima não volta mais. Não sei se eu fico contente só com a prisão dele, porque sabemos que as penas no Brasil são brandas e o Rafael [ex de Cristiane] é um monstro. Ficaria mais tranquila se ele ficasse preso eternamente. Ele cometeu um crime de tamanha crueldade que não dá pra comparar com mais nada no mundo. Sentimos muita falta da Cristiane. Peço às mulheres que se afastem ao menor sinal de abuso, seja físico ou verbal”, alerta a cantora Lanor, do grupo Donas, prima de Cristiane.

Vítimas de feminicídios cometidos em 2018 na Região Metropolitana do RJ — Foto: Reprodução/ Redes sociais

Vítimas de feminicídios cometidos em 2018 na Região Metropolitana do RJ (Foto: Reprodução/ Redes sociais)

Qualificadora do homicídio

O feminicídio passou a ser uma qualificadora do crime de homicídio em 2015, com a lei federal 13104/2015. Desde então, instituições como a Justiça, o Ministério Público e as polícias Civil e Militar estão dando mais visibilidade aos casos. Entretanto, a juíza ressalta que o comportamento do sistema de Justiça e da sociedade em relação aos agressores passou a mudar há menos tempo.

“É importante que esses crimes tenham uma resposta efetiva porque é um crime que atinge toda a sociedade. O que mudou em relação à Justiça e à quantidade de prisões é que até antes da lei do feminicídio havia uma relativização em relação a esses crimes ou à gravidade desses crimes”, explica a magistrada.

A juíza ainda reforça que os agressores sempre achavam uma brecha para a soltura ou para terem suas penas atenuadas.

“Sempre se tentava, de alguma forma, patologizar esse agressor, ou colocando ele como uma pessoa doente ou sob efeito de álcool ou de drogas, ou ainda dizendo que ele não fez um mal à sociedade e, sim, especificamente a uma determinada mulher. Agora, com a lei, a gente observa uma mudança de paradigmas na sociedade e também no sistema de Justiça. É um crime grave. Essa pessoa precisa ser segregada da sociedade com a sua prisão”, justifica Adriana.

Apenas nos dois primeiros meses do ano, oito mulheres foram vítimas de feminicídio – sendo 5 delas assassinadas por conhecidos e 3 por atuais companheiros – e 63 sofreram tentativa de feminicídio. Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), com casos registrados em todo o estado nos meses de janeiro e fevereiro de 2019, apontam que uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 dias no RJ.

“Uma mulher morrer a cada 7 dias no Rio de Janeiro é um índice alto e alarmante. Ao mesmo tempo que esse índice nos assusta, ele tem o poder de mostrar que esse crime precisa ser investigado. Ninguém acorda num dia e resolve matar sua esposa ou ex-esposa. Na verdade, o feminicídio é a reta final de uma cadeia de vários crimes que aconteceram anteriormente”, comenta a deputada Martha Rocha, que preside a CPI do Feminicídio instaurada em fevereiro na Assembleia Legislativa do Rio de janeiro (Alerj).

“Hoje, com a visibilidade desse crime de ódio, que afeta mulheres de diferentes camadas sociais, o lado positivo disso é que as pessoas entenderam que esse crime tem que ter a efetividade da prisão, da punição e que a gente não pode tolerar a impunidade nos casos de feminicídios”, analisa Martha Rocha.

Novos protocolos para investigação

Entre as ações previstas pela CPI do Feminicídio estão visitas às delegacias de mulheres, aos centros de acolhimento às vítimas, e também a convocação de representantes da Polícia Civil e do Judiciário para entender por que há tantas falhas nas medidas protetivas.

A deputada ressalta ainda que a CPI tem como objetivo diagnosticar o problema e estabelecer estratégias de enfrentamento.

“Por conta do aumento de casos, nós entendemos a necessidade de se fazer uma CPI sobre o feminicídio, que pretende fazer um diagnóstico desse problema e depois estabelecer estratégias de enfrentamento para reduzir o número de casos e para garantir a punição dos autores desse crime. Ao final, a CPI vai oferecer um relatório com recomendações e protocolos pra que sejam acolhidos pelos poderes do estado, Justiça, Polícia, Ministério Público, pela Defensoria, até mesmo unidades de saúde, e todos esses atores que integram a rede de proteção à mulher”, explica a deputada.

O G1 foi às ruas perguntar para as pessoas questões sobre o crime de feminicídio — Foto: Reprodução/G1

O G1 foi às ruas perguntar para as pessoas questões sobre o crime de feminicídio (Foto: Reprodução/G1)

O que é feminicídio?

O G1 foi às ruas perguntar para as pessoas questões sobre o crime. Algumas não sabiam do que se tratava, outras confundiam o feminicídio com agressão contra a mulher, e houve também questões sobre a necessidade de tipificar o crime.

Muitos dos entrevistados ouvidos consideraram que os feminicidas não são punidos e outros ainda acreditam que os casos aumentaram por conta do pensamento machista da sociedade.

A promotora Lúcia Iloizio, que coordenava o Centro de Apoio Operacional Violência Doméstica/ MPRJ, esclarece algumas dúvidas sobre o feminicídio e faz questão de reforçar, assim como afirmou a deputada Martha Rocha, que esse crime é a última etapa de um ciclo de violência contra a mulher, que resulta na morte dela.

“É possível que muitas pessoas ainda tenham dúvida sobre o que é feminicídio. Mas a gente não tem como falar de feminicídio sem falar antes sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher”, explica.

Há duas hipóteses de feminicídio, segundo a promotora:

  • decorrente de um contexto de violência doméstica contra a mulher;
  • quando o assassino menospreza ou tem ódio à condição de mulher.

“A grande maioria desses crimes acontece dentro das relações íntimas de afeto, praticado na maioria das vezes por parceiros ou ex-parceiros”, acrescenta Iloizio.

Alerta para ciúmes excessivo

“O feminicídio, normalmente, vai decorrer de um histórico de uma relação abusiva onde várias violências e violações do direito da mulher foram cometidos. O feminicídio vai ser apenas a parte final dessa violência, quando a mulher é morta. Fica aqui o nosso alerta para a questão do ciúme. Muitas relações abusivas têm início com a demonstração excessiva de ciúmes do parceiro. Ciúmes não é demonstração de amor, é a necessidade de controle, posse e domínio sobre a parceira e que, mutas vezes, vai resultar em uma situação de feminicídio.”

Por que os casos têm aumentado?

“Infelizmente, o aumento de casos é um fato, é o que temos observado. Isso se atribui ao menosprezo àquela parceira, à falta de respeito e ao machismo, que, muitas vezes, impõe ao homem o controle sobre aquela parceira ou ex-parceira. Ainda está no inconsciente da sociedade que o homem é o dominador da relação e, infelizmente, o feminicídio ocorre pela necessidade de controle daquela mulher, por ciúmes, insatisfação e outros motivos.”

Por que tipificar apenas as mortes de mulheres?

“As mulheres que são mortas num contexto de feminicídio são mortas numa situação muito diferente da que muitos homens são mortos. Os homens são mortos mais em contexto de violência urbana. Já a mulher, não. A mulher, geralmente, é morta por aquele que é mais próximo a ela. E mais: a brutalidade em que esses atos de violência são praticados, as marcas que são deixadas nos corpos das mulheres demonstram um ódio àquela condição. Elas ficam com rostos deformados, são mortas com muitas lesões no corpo. E outra: são mortas com qualquer objeto que aquele homem tenha à mão, desde arma de fogo até pedaço de madeira.”

“Angústia x alívio’

Em conversa com o G1, Gilvan Silva Ferreira, inspetor da Polícia Civil que atua em interrogatórios na Delegacia de Homicídios da Capital, avaliou o comportamento dos feminicidas.

“O sentimento deles é sempre o mesmo. Obsessão, possessividade, olham a mulher como um produto, um bem deles. Quando são interrogados, percebo que eles estão satisfeitos de terem cometido o crime. O exercício da destruição daquela mulher, que eles enxergam como um objeto, é um alívio para eles porque a angústia passa”, comenta Gilvan.

A maioria dos feminicidas, segundo o investigador, não sente arrependimento pelo que fez.

“Não existe arrependimento quando se quer se livrar de algo. É a angústia que ele sente ao ver aquela mulher no dia a dia e o alívio que sente ao matá-la. Nos casos de feminicídio, existe a objetificação da mulher. O homem não vê mais uma pessoa, ele vê um objeto. Não há mais humanização na relação porque aquela mulher foi ‘coisificada'” .

“Eles querem destruir aquele objeto que, na visão deles, é fonte de raiva, angústia, impotência. Depois que destrói o objeto, sente alívio. O feminicida fica cego, ele só vê algo que o afronta, que o desafia, que lhe causa dor. Dizem que não conseguem dormir, trabalhar, e que só se sente aliviado quando mata a mulher. A evidência da raiva, do ódio, é que muitas vezes os ataques são direcionados ao rosto, com muita crueldade”, acrescenta Gilvan.

Serviço

Para denunciar abusos e agressões contra mulheres, qualquer cidadão pode entrar em contato com a Central de Atendimento ao Cidadão pelos telefones 2334-8823/ 2234-8835, ou pelo Disque Denúncia pelo telefone 2253-1177.

A pessoa também pode procurar a Delegacia de Atendimento à Mulher mais próxima e também pode pedir ajuda na Defensoria Pública ou pelo site do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Patricia Teixeira e Matheus Rodrigues

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas