No Brasil, pessoas trans vivem, em média 35 anos, menos da metade da população brasileira em geral
(O Globo, 18/05/2019 – acesse no site de origem)
A expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de 35 anos, menos da metade da população brasileira cisgênero, que é de 76 anos. É também menor do que nos anos 1930, quando a chance de vida era de 36 anos, segundo o IBGE.
Para alertar sobre esse dado, estabelecido pela intolerância, violência e ódio, a campanha Trinta e Cinco traz uma mensagem de esperança, com uma versão inédita da canção “Forever Young”, da banda Alphaville,gravada pela cantora brasileira Liniker , mulher transgênero.
— Estou bem feliz de usar minha voz como instrumento dessa mensagem. Acredito que, quando eu vejo um filme como esse, com pessoas que refletem o que eu sou, me dá uma esperança de saber que embora sejamos invisibilizados todos os dias, nós resistimos. Esse vídeo mostra que o que mais vale são nossas vidas, nossas formas de afeto — diz Liniker.
O curta-metragem apresenta a história de Guto e Onika, um casal real e transcentrado. Eles acordam, trocam afetos, tomam café, seguem para o trabalho em uma rotina comum de duas pessoas que escolheram viver juntas e dividir seus dias, mas que ainda vivem situações de desconforto como o assédio e o medo de andar na rua.
Sob o olhar trans
A campanha, criada pela agência Young & Rubicam e produzida pela Fauna para o portal LGBTQI+ Athosgls, teve a preocupação de reunir profissionais transgêneros para construir essa mensagem.
Segundo a roteirista, Luh Maza que é mulher trans, o filme busca fugir do “fetiche da violência”.
— Eu não queria trabalhar sob o signo da violência explícita, que me parece um fetiche da população em geral. É um filme de alerta, mas também é de esperança. É um ensaio sobre como essas vidas podem ser apagadas num estalar de dedos — comenta Luh. — Nossa intenção é que as pessoas, ao assistirem, escolham de que lado querem estar. Do lado da mulher ou homem trans ou da pessoa que pode cometer a violência. Eu quero ver a travesti vivendo, porque a travesti sou eu. — relata.
Para a pesquisadora Uni Corrêa, que é mulher trans, desenvolver um material sobre a realidade que se vive permite um olhar diferenciado no produto final.
— A nossa maior preocupação era não machucar mais as pessoas com uma informação tão dura. Quando falamos de nós mesmos, não tem como não se emocionar — analisa.
A cantora Liniker acredita que a condução do filme por uma equipe integrada por pessoas transgêneros dá voz a luta contra a discriminação e afirma o espaço desse grupo.
— Quando eu vejo um filme conduzido dessa forma, a nossa luta é legitimada. Ele mostra que estamos vivas e ativas, produzindo na sociedade — comenta Liniker.
O casal da história
A dupla que protagoniza a campanha é um casal real. Onika e Guto contam sobre o processo de transição e a sensação de participar da campanha.
— Foi um sentimento de privilégio, de sermos escolhidos para dar vida a esses personagens. Essa história representa muito de nós. Depois de muitos anos, estamos construindo possibilidade de acesso, saindo das estatísticas e ocupando novos lugares simbólicos e de poder — comenta Onika, de 29 anos, mulher trans que trabalha como secretária em uma escola de dança.
Onika e Guto se conheceram há três anos, e vivem juntos há um ano e três meses, no Grajaú, zona sul de São Paulo. As famílias, embora conservadoras e religiosas, aceitaram o casal e “abençoaram a relação”, conta Guto, que é homem trans:
— No começo foi mais difícil, quando minha mãe descobriu que eu gostava de mulheres. Quando eu contei que ia transicionar, ela ficou muito mal e foi bastante resistente. Hoje, ela frequenta nossa casa, fala mais com a Onika do que comigo até. Elas têm uma relação ótima — conta Guto, de 24 anos.
* Estagiária sob a supervisão de Renata Izaal