A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votou a favor de que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada um tipo de racismo. Na prática, isso criminaliza a homotransfobia no Brasil.
(BBC News Brasil, 23/05/2019 – acesse no site de origem)
Após cinco sessões, seis ministros – Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux – dos onze que compõem a Corte reconheceram haver uma mora do Legislativo em tratar do tema e que, diante desta omissão, este tipo de conduta deve ser abrangida pela Lei de Racismo (nº 7716-89).
Ao fim da quinta-feira (23/05), o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu temporariamente o julgamento. A previsão é que a votação seja retomada no dia 5 de junho.
A questão começou a ser debatida em 13 de fevereiro, quando foram ouvidos os autores dos dois processos (ADO 26 e MI 4733), a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Senado e grupos favoráveis e contrários à criminalização da homotransfobia.
Nas duas sessões seguintes, o ministro Celso de Mello, relator de uma das ações, apresentou seu voto. O decano avaliou que o fato do Congresso não ter legislado sobre o tema é uma “evidente inércia e omissão”, algo que a Câmara e o Senado negam.
Mello propôs que não seja fixado um prazo para que o Congresso edite uma lei sobre o tema, como pedem as ações, mas que, enquanto os parlamentares não decidirem, a homofobia e a transfobia sejam enquadradas na Lei do Racismo.
Segundo Mello, o conceito de racismo se aplica à discriminação contra grupos sociais minoritários e não só contra negros – um ponto controverso entre especialistas da área. O racismo é um crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional.
Na quarta sessão, o ministro Edson Fachin, relator da outra ação, concordou com Melo e defendeu a aplicação da Lei do Racismo até a edição de legislação específica pelo Congresso. Ele argumentou haver uma “gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça” provocada pela “omissão legislativa”.
“Nenhuma instituição pode deixar de cumprir integralmente a Constituição, que não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe”, disse Fachin em seu voto.
Os votos dos relatores foram acompanhados pelos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Moraes disse que o Congresso sempre ofereceu proteção pela lei penal a grupos sociais vulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, portadores de deficiência, mulheres e consumidores.
“No entanto, apesar de dezenas de projetos de lei, só a discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o próprio Congresso não seguiu o seu padrão”, afirmou o ministro. Moraes concordou que o STF não deve fixar um prazo para que o Congresso edite uma lei sobre o tema.
Barroso também foi favorável à criminalização. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se o Congresso não atuou, é legítimo que o Supremo atue para fazer valer o que está previsto na Constituição”, afirmou Barroso.
O ministro disse ainda que que fixaria um prazo para a atuação do Congresso em circunstâncias normais, mas que, diante de manifestações da Câmara e do Senado de que há projetos de lei sobre o tema sendo apreciados, optou por não fazê-lo.
Após o voto de Barroso, Toffoli suspendeu o julgamento em 21 de fevereiro, sob o argumento de que a votação havia se prolongado além do previsto e que seria necessário reorganizar a pauta do plenário para dar continuidade a ela.
Como foi a retomada do julgamento
Quando o julgamento foi retomado, Toffoli anunciou que concederia a palavra à ministra Rosa Weber para que proferisse seu voto, quando Celso de Mello o interrompeu para anunciar ter recebido um comunicado do Senado.
O documento informava sobre a aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa de um substitutivo do projeto de lei 672-19, do senador Weverton Rocha (PDT-MA), que altera a Lei de Racismo e torna crime o preconceito contra orientação sexual e identidade de gênero. O comunicado informava ainda ter sido aprovado o projeto 191-17, do senador Jorge Viana (PT-AC), que altera a Lei Maria da Penha para estender sua proteção a mulheres transexuais.
“O Senado Federal vem à presença de Vossa Excelência informar os aludidos fatos supervenientes, que demonstram que a matéria objeto de apreciação desse Corte está sendo apreciada pelo Senado Federal, no exercício de sua competência constitucional típica de aprimorar a legislação penal existente”, dizia o documento.
No dia anterior, a presidente da CCJ, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), afirmou que pediria ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para solicitar a Toffoli que o STF aguardasse a análise destes projetos pelo plenário da Casa.
Ainda que o comunicado do Senado não pedisse formalmente a suspensão do julgamento, Mello anunciou ter considerações a fazer. Ele defendeu que, mesmo que projetos sobre o tema tramitem no Congresso, eles ainda não foram aprovados e transformados em lei.
Portanto, disse, persiste a omissão do Legislativo em tratar da questão. “Continua existindo a mora pela inércia deliberante do Legislativo”, afirmou o ministro, que argumentou ainda que a apresentação de um projeto de lei não garante sua aprovação por ambas as Casas.
“Mesmo que eventualmente aprovado pela Câmara ou pelo Senado, ainda assim precisa ser aprovado pela outra Casa e terá de ser submetido ao presidente, e nada garante que o presidente o sancionará e o converterá em lei.”
Sua posição foi acompanhada por Fachin, relator da outra ação que levou o STF a debater o tema. Toffoli disse então que gostaria de fazer uma sugestão – sem esclarecer a princípio qual seria, para só depois afirmar que pediria para que o julgamento fosse adiado. O ministro destacou que os votos já proferidos tinham levado o Congresso a se mobilizar.
Mas o presidente do STF foi novamente interrompido por Mello, que ressaltou que os votos dos ministros levaram a pedidos de impeachment contra ele e seus colegas. “É uma postura intolerante. Uma denúncia feita simplesmente por exercermos nosso dever constitucional”, disse o ministro.
Diante disso, o presidente do STF disse ter desistido de fazer sua sugestão e deu início à votação pelo plenário sobre a suspensão do julgamento. Com exceção de Marco Aurélio Mello e Toffoli, os outros sete ministros acompanharam a posição de Mello e Fachin contra o adiamento.
‘A homofobia se generalizou’
Após um intervalo, a ministra Rosa Weber reiniciou a sessão com seu voto. Ela logo anunciou que acompanharia os votos dos relatores e defendeu que o “descumprimento do comando constitucional pelo Legislativo transcorridas três décadas abre a via da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão”.
“A mora do Legislativo em cumprir essa determinação está devidamente demonstrada, e há farta jurisprudência desta Casa de que a existência de projetos de lei em tramitação não afasta a mora inconstitucional que só se dá com conclusão do processo legislativo”, afirmou Weber.
Em seguida, ela defendeu que o STF já havia anteriormente entendido que o conceito de raça tem um sentido jurídico mais amplo, que vai além de características biológicas e compreende também características sociais e, portanto, pode ser aplicado ao preconceito contra LGBTs.
E concluiu dizendo que a Lei de Racismo deve ser aplicada a estes casos “enquanto persistir a mora legislativa”.
Em seguida, foi a vez do ministro Luiz Fux proferir seu voto. Ele começou explicando o que entende por crimes de homofobia e disse que eles “não são um fato isolado do cotidiano”. “A homofobia se generalizou”, afirmou.
Prosseguiu reconhecendo a demora do Legislativo em tratar do assunto – “Os projetos não andam” – e refutou o argumento de que o STF estaria usurpando uma competência do Legislativo ao equiparar a homotransfobia aos crimes de racismo já previstos em lei.
“O STF não está violando o princípio da reserva legal nem criando uma figura penal. Está fazendo uma interpretação da legislação infraconstitucional que trata do racismo”, afirmou o ministro.
Ele encerrou comentando sobre os efeitos que a medida pode ter, ao dizer que a criminalização das condutas homofóbicas “aumenta a autoestima destas minorias e lhes conforta, dá sensação de pertencimento à sociedade”.
“As ações afirmativas em relação aos afrodescendentes não só criminalizaram o preconceito, mas esta legitimidade constitucional representou um fato gerador que levou a uma abertura do mercado, de vagas em universidades, da vida em sociedade para este grupo. Assim também deve ser em relação aos integrantes da comunidade LGBT.”
Como é a lei hoje
A homofobia e a transfobia não estão na legislação penal brasileira, ao contrário de outros tipos de preconceito, como por cor, raça, religião e procedência nacional.
Uma das principais reivindicações de militantes LGBT no país, ela chegou à Corte por meio de duas ações, movidas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS), em 2012 e 2013, respectivamente.
Elas argumentam que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 determina que qualquer “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” seja punida criminalmente. Ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, deputados e senadores estariam se omitindo inconstitucionalmente, por “pura e simples má vontade institucional”.
As ações pedem também que o STF fixe um prazo para que seja criada a lei e que, caso ele não seja cumprido ou se um prazo seja considerado desnecessário pela Corte, ela própria regulamente temporariamente a questão até uma decisão do Congresso e criminalize esse preconceito.
“O direito penal existe para defender a sociedade e também minorias e grupos sociais vulneráveis”, diz o advogado Paulo Iotti, doutor de Direito Constitucional e representante do PPS e da ABGLT nas ações. “Por isso, criminaliza o racismo e coíbe a violência contra a mulher, mas o Código Penal não é suficiente hoje para proteger a população LGBT.”
Iotti argumenta que o STF considerou o antissemitismo um tipo de racismo, definido como “toda ideologia que prega a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro” em um julgamento de 2003, e pede que o mesmo agora seja aplicado à homofobia e à transfobia.
“Queremos igual proteção penal. Se você criminaliza alguns tipos de opressão e não outras, passa uma ideia sinistra de que são menos relevantes. Não se pode hierarquizar opressões.”
Quais países já têm leis para punir este preconceito?
Em 2014, a PGR manifestou-se a favor da medida. Então à frente da instituição, o procurador Rodrigo Janot cita em seu parecer a Declaração de Direitos Humanos da ONU e outras legislações internacionais ao destacar que “a edição de normas penais para combater a homofobia e a transfobia é um compromisso internacional”.
Um levantamento da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês), que reúne mais de 1,3 mil grupos de defesa de direitos LGBT, mostra que 43 países – ou 23% dos Estados-membros da ONU – já têm legislações contra crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima.
Estas leis estabelecem crimes específicos ou consideram o motivo um agravante para elevar penas de crimes comuns. Em 39 países, há leis que punem discursos que incitam o ódio contra esse público.
O Brasil foi incluído na primeira lista, mas a ILGA destaca que isso se deve às leis locais de 14 Estados e do Distrito Federal – regiões onde vivem 78% da população do país – além das leis de duas capitais (Fortaleza e Recife). Elas preveem sanções civis, como multas e perdas de licenças. No entanto, diz a organização, não há uma lei federal sobre a questão.
“Se isso se dá apenas no nível local, diferentes níveis de proteção podem coexistir dependendo da jurisdição. Uma lei federal cria um padrão nacional, e todos os juízes do país seriam obrigados a seguí-lo”, diz Lucas Mendos, pesquisador da ILGA e coautor da 12ª edição do estudo Homofobia Patrocinada pelo Estado, que traça um panorama de leis sobre o tema no mundo.
Mendos afirma que o número de países que têm leis de combate ao preconceito por orientação sexual vem aumentando desde a primeira edição do relatório, mas ressalta que os governos “raramente o fazem por conta própria”. “Isso se deve à atuação de militantes LGBT junto aos seus Legislativos.”
Crimes motivados por homofobia e transfobia têm dois efeitos, segundo o pesquisador. “Há a agressão à vítima em si, mas também enviam uma mensagem perturbadora para outras pessoas nesta mesma condição. Estes crimes precisam de leis especiais ou previsão de penas maiores para refletir sua gravidade e mostrar que esse tipo de ódio não é tolerado pelo Estado.”
Consultada pelo STF sobre o tema, a AGU disse ser contra os pedidos feitos à Corte. Avalia que “não existe qualquer comando constitucional expresso” de criminalização da homofobia e da transfobia. O texto fala em “punição”, diz a entidade, mas sem determinar que seja por meio de uma lei penal.
A AGU também defende que o STF não tem competência para criar leis penais, função que o ordenamento jurídico brasileiro atribui exclusivamente ao Congresso. Fazer isso seria uma “ofensa ao princípio de separação de Poderes”.
Ainda afirma que não existe uma omissão do Legislativo e faz uma referência à manifestação do Senado em uma das ações, que informou haver projetos de lei sobre o tema em tramitação.
Projetos de lei tramitam no Congresso desde 2001
O projeto de lei mais antigo sobre o tema foi apresentado na Câmara dos Deputados em 2001. O PL 5003 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e, após passar pelo plenário, foi enviado para ser apreciado pelo Senado em 2006, onde se transformou no PLC 122.
Seu objetivo era alterar a lei de racismo, de 1989, que pune crimes de discriminação ou preconceito de “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. O projeto pedia a inclusão no texto a discriminação por “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”. Mas, após tramitar por duas legislaturas seguidas, o projeto foi automaticamente arquivado.
Até o início deste ano, tramitavam outros dois projetos no Congresso Nacional.
O PL 7582/14, de autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), define o que são crimes de ódio, entre eles os motivados por orientação sexual e identidade de gênero, e estabelece pena de um a seis anos de prisão de multa para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”. Mas, em janeiro, foi arquivado de acordo com regras do regimento interno da Casa.
O PLS 134/18, proposto pela ex-senadora Marta Suplicy (SP), cria o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero e, entre outras disposições, regulamenta o “crime de intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero”, o “crime de indução à violência” e discriminações no mercado de trabalho e nas relações de consumo, punidos com penas de prisão de um a cinco anos. O projeto está atualmente na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor.
“Uma não decisão, no âmbito da produção legislativa, também é uma decisão”, disse o Senado ao STF. “O trabalho legislativo também pode ser entregue na não elaboração de determinada norma, sobretudo quando há, como neste caso, intensos debates.”
O advogado Rodrigo Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), diz que projetos de lei sobre homofobia e transfobia enfrentam uma grande resistência.
“O Congresso Nacional do Brasil é composto em sua maioria por parlamentares de correntes religiosas, especialmente a evangélica, que não deixam passar nenhuma proposta que tenha algum conteúdo moral”, defende o presidente do IBDFAM, que participa de uma das ações julgadas pelo STF como amicus curiae, como são chamadas pessoas e entidades convocadas ou que se voluntariam a oferecer esclarecimentos sobre o tema em debate.
Criminalização da homofobia vs. liberdade de expressão
Outra crítica corrente à criminalização da homofobia é de que ela pode levar à violação da liberdade de expressão.
“É claro que qualquer excesso de agressão física ou verbal e de discriminação tem de ser punido, mas todos são iguais perante à lei, e dar o privilégio de criminalizar um discurso contrário à homossexualidade é uma agressão ao estado democrático e a um direito fundamental”, defende Walter Silva, representante da Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida, grupo que reúne mais de 200 parlamentares do Senado e da Câmara e pediu ao STF para ser ouvida no julgamento das ações.
“Qualquer pessoa pode se expressar de forma respeitosa. Quem defende sua fé e a composição de uma família hétero não pode expressar sua opção e razões? Não podemos admitir qualquer patrulhamento de consciência.”
Por sua vez, o advogado Paulo Iotti diz que o objetivo das ações não é “punir padre ou pastor por falar contra a homossexualidade”.
“Se um padre me disser respeitosamente que, na sua visão, ser homossexual é pecado, posso não gostar, mas não é crime e jamais seria, mas, se vou a uma igreja e ouço alguém dizer ‘afaste-se de mim seu sodomita sujo, saia daqui’, isso é um abuso do direito de liberdade religiosa e um discurso de ódio”, afirma Iotti.
Quem se opõe à criminalização destes preconceitos alega ainda que a legislação existente já pune crimes cometidos contra o público LGBT.
“Todos os casos de violência contra homossexuais podem ser enquadrados em tipos penais como homicídio, lesão corporal, difamação”, afirma Uziel Santana, presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que é amicus curiae de uma das ações no STF.
Santana afirma ainda que faltam dados oficiais e pesquisas concretas sobre crimes dessa natureza no Brasil e que a Anajure buscou fazer um levantamento próprio ao consultar secretarias estaduais de segurança pública.
“Quase nenhuma tinha uma base consolidada sobre esse tipo de conduta. A maioria são crimes passionais envolvendo só homossexuais. Sem fazer essa verificação, não podemos afirmar que existe homofobia na sociedade brasileira.”
Pereira, do IBDFAM, considera estes argumentos uma “desculpa esfarrapada para sustentar o preconceito” e aponta que a legislação atual já pune crimes cometidos contra mulheres, mas que foram elaboradas leis específicas para coibí-los.
“O que abunda não prejudica. Os crimes de feminicídio não acabaram, mas foram reduzidos. Se a homofobia e a transfobia forem criminalizadas, uma pessoa preconceituosa vai pensar duas vezes e conter seus impulsos.”
A lei brasileira já prevê crimes demais?
Mauricio Dieter, professor de Criminologia e Direito Penal da Universidade de São Paulo, explica que as leis que criminalizam o preconceito contra pessoas LGBT seguem uma tendência histórica.
“A homossexualidade já foi considerada um comportamento desviante e crime em muitos países. Depois, foi transformada em algo lícito. Agora, estamos em uma terceira fase em que condutas contra estas identidades passam a ser punidas ou consideradas crimes”, diz o especialista.
Dieter avalia que a criminalização teria um “efeito simbólico” ao dar a atos cometidos com base neste tipo de preconceito uma “dimensão mais forte”. Mas discorda que isso reduzirá a “opressão e marginalização de pessoas LGBT”.
“É difícil sustentar a necessidade de se criar mais crimes no Brasil. Nossa legislação já prevê mais de 1,7 mil. Danificar uma planta ornamental é crime, usar gás de cozinha para aquecer piscina é crime, molestar cetáceo é crime. Se isso resolvesse problemas sociais, não teríamos mais violência no Brasil.”
Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda que a legislação penal não é uma solução para todas as questões sociais e que há medidas mais efetivas para combater o preconceito e a estigmatização.
No entanto, defende ele, a criminalização pode ter neste caso um caráter preventivo, combater uma “invisibilidade” deste tipo de discriminação e ser uma solução para a ausência de leis sobre o tema.
“Não existem dados oficiais no Brasil sobre homofobia, porque, quando um LGBT chega à delegacia, o que foi feito contra ele é enquadrado como um crime comum. Não há como fazer uma política pública eficiente para enfrentar esse preconceito desta forma”, afirma Quinalha.
“Trabalhar estas questões nos campos da educação e cultura estimularia uma produção de consciência e de valorização da diversidade, de respeito, mas medidas assim têm sido bloqueadas no Congresso. Isso mostra que outros caminhos para fazer a discussão avançar estão fechados, e é preciso dar uma resposta imediata para esta situação de violência.”
Rafael Barifouse