Ativistas que realizaram pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho das mulheres na cadeia da moda em Pernambuco e no Rio de Janeiro se reuniram para compartilhar suas impressões e analisar os resultados preliminares do estudo
(Fase, 24/05/2019 – acesse no site de origem)
Aplicada entre o final de 2018 e início de 2019 em três territórios – região metropolitana do Rio de Janeiro, Polo têxtil de Paulista e no Agreste Pernambucano -, a pesquisa “As condições de vida e trabalho das mulheres inseridas no setor de confecções em Pernambuco e no Rio de Janeiro” é resultado da parceria entre a FASE, através do Fundo Serviço de Análise e Assessoria de Projetos (SAAP), e o Instituto C&A, que visa diagnosticar, visibilizar e incidir na melhoria das condições de vida e trabalho das mulheres inseridas na cadeia da moda, fortalecendo os grupos de mulheres como produtoras de conhecimento e sujeitos políticos na luta por seus direitos.
No encontro realizado em Recife para análise dos dados preliminares, as pesquisadoras, integrantes de grupos de mulheres ativistas que lutam pelos direitos das mulheres, viram sua participação nesse diagnóstico como um diferencial da pesquisa devido a experiência do trabalho de décadas com mulheres em situação de vulnerabilidade e violação de direitos. De acordo com Taciana Gouveia, coordenadora do SAAP, “a experiência e o posicionamento político histórico na defesa das mesmas, foi o que permitiu os bons resultados da pesquisa”, comenta.
Beth Amorim, do grupo Cactos, explicou que cada entrevista foi uma experiência diferenciada. “Elas sabem que ganham pouco, mas tem vergonha de dizer o quanto ganham por peça porque sabem que o trabalho delas não é valorizado. Apesar da exploração, as costureiras de Paulista se sentem mais respeitadas do que as costureiras do Agreste”, constata. Para ela, o que ficou evidente com a pesquisa foi a rede de exploração dessas mulheres. “A dona da facção explora as costureiras, mas a dona trabalha para uma grande confecção que também explora ela. É exploração em cima de exploração”, conclui.
Liliana Barros, do grupo Cidadania Feminina, aplicou o questionário na região do Agreste e chamou atenção sobre a questão emocional dela e de suas companheiras durante a pesquisa. “Ao final das entrevistas eu chamei as outras mulheres do meu grupo para tomar uma cerveja e tentar aliviar a mistura dos sentimentos de tristeza e raiva que tomava conta da gente depois de ver a situação dessas mulheres. Foi uma vivência doída”, lamenta.
No Rio de Janeiro, uma das pesquisadoras foi Rosilene Torquato, do grupo Cabeça de Negra, que levou para a etapa da análise dos dados preliminares do estudo a questão de gênero na profissão. “Os homens, por exemplo, são alfaiates, ganham mais e são reconhecidos. Os homens, em geral, ganham por dia trabalhado. As mulheres ganham por produção. Eles também aparecem como seguranças ou supervisores das facções*”.
Sobre o estudo
Ao todo foram aplicados 245 questionários nos três territórios. A maioria das entrevistadas são de mulheres que trabalham em casa. Mas também foi pesquisada a situação das mulheres que trabalham em facção e na casa de outra pessoa.
O questionário foi construído de forma coletiva durante oficinas preparatórias com os grupos de mulheres que o aplicaram. Era longo e com muitas questões subjetivas. Entretanto, o que poderia ter sido aplicado em 50 minutos, muitas vezes passava de 2 horas porque, segundo as pesquisadoras, esse era o momento em que essas mulheres tinham para ser ouvidas. Algumas entrevistas, foram feitas enquanto elas almoçavam (e trabalhavam).
Questões como escolaridade, composição de domicílio, rendimento mensal, histórico na função, se conhecem para quem trabalham ou quem são os contratantes, horas trabalhadas, acesso a direitos e sonhos foram perguntados. E as principais constatações são das péssimas condições de trabalho, falta de perspectiva de futuro, ausência e desconhecimento dos direitos, doenças causadas pelo excesso trabalho, participação social e familiar cerceada, necessidade de fala, naturalização da exploração, processos de violência que atravessam o cotidiano e a produção dessas mulheres.
Em breve, o diagnóstico completo estará disponível para consulta.
*No Brasil, “facção” é o nome dado às indústrias de confecções e vestuário que fazem seus serviços exclusivamente para outras empresas de confecções.
Rosilene Miliotti