Pesquisa do Ipea mostra que, no Brasil, elas se conectam mais para ler jornais e ouvir música, e eles para baixar jogos e filmes
(O Globo, 24/06/2019 – acesse no site de origem)
As mulheres são maioria entre os usuários de internet no Brasil, mas são os homens quem mais usam a web para atividades de lazer, mostra estudo do Ipea. De uma lista de sete tipos de recreações envolvendo jogos, música, filmes e leitura, a participação delas é menor em todas. A mais provável explicação para esse comportamento vem de uma desigualdade que não tem nada de virtual. Como a responsabilidade pelos cuidados da casa e dos filhos recai sobre a mulheres , as que trabalham fora acabam sobrecarregadas pela dupla jornada e com menos tempo livre que os homens.
A divisão sexual do trabalho doméstico é a mesma há mais de duas décadas , segundo o IBGE. Enquanto as mulheres gastam em média 21 horas por semana para cozinhar, lavar, passar e organizar a casa, os homens trabalham a metade. Apesar de todas as mudanças feitas no questionário de investigação ao longo desse período, que passou a contabilizar o tempo empregado em pequenos reparos, trabalho mais praticado pelos homens, o número de horas não se mexe.
Mesmo quando elas usam a web para lazer essa desigualdade fica evidente. As atividades com maior participação feminina são ouvir música e ler jornais, em que elas correspondem a 49% do total de brasileiros que usam a internet com essas duas finalidades. Já os homens estão mais concentrados em baixar jogos e filmes e jogar on-line. Eles representam 60% dos usuários desses três conteúdos. Para chegar a essas conclusões, os autores do estudo cruzaram dados de 2017 da Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação do IBGE.
— A mulher pode limpar a casa ouvindo música. É diferente de você jogar on-line, que requer atenção total. Quanto à grande presença entre os leitores de jornais, isso vai ao encontro de uma maior busca por qualificação. As mulheres precisam estudar mais para ter as mesmas chances que os homens no mercado de trabalho. Estar bem informada integra esse contexto — analisa a doutora em sociologia e uma das autoras do estudo, Daniela Ribas.
As mulheres só são maioria dentro do grupo dos que nunca haviam acessado a internet para alguma dessas atividades recreativas. Para o coordenador do levamento, que também é doutor em sociologia, Frederico Barbosa, essa exclusão digital reflete um mercado de trabalho menos receptivo à mão de obra feminina:
— As mulheres têm menos acesso ao emprego e, quando têm, o salário é menor. Isso pode dificultar o acesso à internet. Muitas pessoas se conectam no ambiente de trabalho. Além disso, as mulheres fazem muitas coisas durante o dia. Elas têm mais escolhas a fazer em relação ao uso do tempo.
Historicamente o desemprego é maior entre as mulheres. O dado mais recente, do primeiro trimestre deste ano, mostra que, enquanto a taxa delas está em 14,9%, a dos homens é de 10,9%. Além disso, em média, o salário feminino corresponde a apenas 79% do masculino.
Um outro estudo, realizado pela consultoria especializada em cultura JLevia, também em 2017, mostra que a dupla jornada não prejudica apenas no lazer das mulheres na internet. O levantamento, feito com mais de 10 mil brasileiros de 12 capitais, identificou que elas têm mais interesse que homens em ir a atividades culturais, mas geralmente vão menos.
Em termos de comportamento, se a internet é mais utilizada para compartilhar ou para produzir conteúdo, a pesquisa do Ipea mostrou que há um equilíbrio maior. Ainda que com pouca diferenciação, as mulheres estão mais interessadas do que os homens em compartilhar conteúdo recebido ou postar textos, imagens e vídeos de autoria própria. Os homens estão mais interessados em criar ou atualizar blogs e páginas da internet.