Bruna Gonçalves analisa cobertura midiática e posições a respeito do aborto durante epidemia do zika vírus no Brasil
(Jornal da USP, 30/07/2019 – acesse no site de origem)
A associação entre a manifestação do zika vírus em gestantes e o desenvolvimento de microcefalia nos bebês foi confirmada pelo Ministério da Saúde em 2015, período no qual o Brasil passava por uma grave epidemia da doença. A região Nordeste foi a mais afetada, e o vírus era relacionado a situações de pobreza, falta de saneamento e saúde básica de algumas localidades. Uma pesquisa da USP analisou a cobertura jornalística do caso e concluiu que a mídia deixou muitas lacunas e não cumpriu com seu papel fundamental de levar informação e conhecimento para as pessoas que precisavam, principalmente para mulheres grávidas afetadas pela doença. Foi sobre esse assunto que o Jornal da USP no Ar conversou com Bruna Gonçalves, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e participante do Laboratório de Saúde Mental Coletiva do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade (Lamasec).
Bruna realizou um mapeamento de jornais de grande circulação e concluiu que o discurso das mulheres nas reportagens não teve prioridade, além de um esquecimento gradativo do assunto no País. A propagação do medo do zika foi muito maior do que a divulgação de informações sobre contracepção eficaz e diagnóstico da doença durante a época da epidemia, o que contribuiu para o aumento da demanda por informações, principalmente por parte de movimentos sociais. “Com a descoberta da relação entre o vírus zika e o desenvolvimento de microcefalia em crianças, movimentos feministas foram retomando o debate sobre o aborto, que já existia no Brasil, mas dessa vez focados em mulheres infectadas. O grande motivo disso é que passar por uma gestação nesse contexto acarreta um sofrimento psíquico, e também ocorre a dificuldade de acesso a serviços de saúde especializados. Em minha pesquisa, foquei na questão de como esse debate sobre o aborto relacionado ao vírus apareceu nos principais veículos de comunicação.”
Os resultados obtidos no estudo passaram por análise baseada em algumas categorias, definidas pelo tipo de abordagem. “Foquei nos discursos sobre microcefalia, o medo do zika, o controle da contracepção das mulheres – que foi algo muito disseminado na época – e em como movimentos sociais, grupos religiosos e autoridades governamentais se posicionaram no debate sobre aborto nesses casos.” A especialista chegou à conclusão de que “os veículos priorizaram as vozes de especialistas e pesquisadores, mas as mulheres, as principais interessadas na questão, quase não apareceram nas notícias. Os jornais focavam muito na questão polêmica do aborto e não forneciam informações necessárias para o verdadeiro público-alvo, contribuindo para um cenário em que já existia sofrimento por conta de diagnósticos tardios das síndromes provocadas pela doença. O contexto de incertezas e as consequências na saúde mental das gestantes, como o desenvolvimento de quadros de ansiedade e dificuldades posteriores no cuidado materno, não eram considerados”.
Em suma, a fala das mães que fizeram a opção pela interrupção da gravidez, ou que estavam grávidas e infectadas, além das que têm filhos portadores de microcefalia ou da síndrome congênita do zika, não foi priorizada pelos veículos midiáticos. Hoje, o debate sobre a legalidade do aborto nesses casos aumentou em toda a América Latina, dentro e fora da comunidade científica, ainda mais com a notificação da situação de emergência pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Especificamente no Brasil, a ilegalidade do aborto está sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de número 5.581, proposta pela Associação Nacional de Defensores Públicos. “Essa ADI envolve alguns pontos como o acesso ao diagnóstico da doença, ao benefício de prestação continuada, ao tratamento para as crianças com a síndrome congênita do zika e também a discussão sobre o direito à interrupção da gestação para as mulheres infectadas e que estejam passando por esse sofrimento psíquico”, conta a pesquisadora. Essa proposta está correndo no STF e seu julgamento foi adiado.
Por Laura Alegre