Iniciativa foi assinada nesta quinta-feira, em São Paulo, e inclui organizações como Magazine Luiza, Amil e Google. Ideia é transformar a cultura dentro do ambiente corporativo, de modo a identificar melhor o problema e facilitar denúncias
(O Globo, 30/08/2019 – acesse no site de origem)
Por trás dos números de violência, há mulheres que trabalham e escondem de colegas e chefes as agressões sofridas dos companheiros em casa. Também há homens que, longe do ambiente profissional, revelam-se agressores das esposas. Chegar a esses relatos muitas vezes é difícil, mas a abertura de empresas para discutir o tema e facilitar o caminho da denúncia pode ajudar a combater o problema.
Nesse esforço, mais de cem empresas se uniram e assinaram em São Paulo, nesta quinta-feira, um documento no qual se comprometem a formar uma coalizão pelo fim da violência contra mulheres e meninas.Na prática, CEOs e representantes de grandes organizações se dispuseram a construir meios de apoio a funcionárias e colaboradoras vítimas de violência doméstica e, também, a transformar a cultura dentro do próprio ambiente corporativo.
Empresas serão acompanhadas por dois anos
A iniciativa é coordenada pela Avon e pelo Instituto Avon, que acompanharão as mudanças dentro das empresas por dois anos, com o apoio da ONU Mulheres. A ideia, segundo os responsáveis, é garantir um ambiente seguro de trabalho para as mulheres, sem assédio sexual e moral, com suporte a vítimas de violência doméstica e mudança da educação organizacional.
O projeto inclui propostas como a formação de grupos de trabalho sobre o tema dentro das empresas, a indicação de lideranças de referência no ambiente corporativo em casos de denúncia, campanhas de engajamento e a criação de canais de denúncia, seja por telefone ou online.
“Tivemos que demitir dois gerentes. Eles tinham atingido meta no trabalho, mas descobrimos que agrediam as mulheres em casa. Metemos a colher, sim.”
À frente da rede de varejo Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano lembrou, no evento, que embora se dedicasse a causas de mulheres, só “acordou” realmente para o combate à violência depois que uma funcionária reconhecida na empresa foi assassinada pelo companheiro.
Hoje, a rede tem linhas de denúncias para as colaboradoras e, no aplicativo de compras, incluiu um botão que conecta mulheres ao número 180, a central de atendimento à mulher em situação de violência.
— Criamos um comitê para discutir o tema, desenvolvemos uma campanha e começamos a discutir o assunto dentro da empresa — disse Luiza. — Mesmo assim, com todo esse engajamento, tivemos que demitir dois gerentes. Eles tinham atingido meta no trabalho, mas descobrimos que agrediam as mulheres em casa. Metemos a colher, sim.
A Magazine Luiza é uma das signatárias da iniciativa, ao lado de outras empresas como Amil, Cargill, Dow, Google, IBM Brasil, Mary Kay, Sodexo e WalMart.
— Estamos nos valendo do poder de mudança das empresas e de executivos para coordenar esforços neste tema e transformar vidas — afirma José Vicente Marino, presidente da Avon. — Só tem um jeito de não perceber esse problema: não prestar atenção.
Agressões geram 1 em cada 5 faltas no trabalho
As mulheres representam 60% da força de trabalho nacional. Além do impacto que a violência produz na vida delas, as agressões também influenciam a capacidade de trabalho, o estresse e o salário em comparação a mulheres que não sofrem agressões. Uma em cada cinco faltas no trabalho é motivada por agressões ocorridas no ambiente familiar.
Para a representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, a coalizão formada nesta quinta-feira é positiva por levar o debate e a ações concretas de prevenção à violência contra a mulher para dentro das empresas.
— Os efeitos das situações de violência vividas nos ambientes laboral, incluindo assédio sexual e moral, e doméstico, também afetam significativamente a produtividade das mulheres vítimas, aumentando a urgência de compromisso das empresas com o tema. Seja pelo seu papel no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e agenda de direitos humanos das mulheres, como também por uma questão de negócios, já que as empresas deixam de contar com pleno potencial das suas trabalhadoras — afirma Ana Carolina.
Além da assinatura da carta de fundação da coalizão, as empresas receberam no evento uma agenda com próximos passos do plano de trabalho, que serão coordenados pelo Instituto Avon.
Uma primeira reunião está prevista para setembro e, em outubro, começará um mutirão de campanha dentro das empresas, seguido de treinamentos e capacitação dos funcionários indicados pelas empresas participantes do acordo.