Grupo de mães pressiona por votação de emenda à Constituição. Estima-se que R$ 15 bilhões são gastos em UTIs devido a nascimentos antes do tempo.
(HuffPost, 08/09/2019 – acesse no site de origem)
A proposta inicial era para estender a licença-maternidadepara mães de bebês prematuros, mas uma manobra da bancada conservadora na Câmara em 2017 inviabilizou a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 181. Agora sem a polêmica sobre aborto, famílias têm pressionado para que o texto avance na Câmara dos Deputados.
Relator do texto em 2017, o então deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) acrescentou trecho que estabelecia que “a vida começa na concepção”, o que inviabilizaria o aborto legal. Com a reação dos movimentos pelos direitos das mulheres, a votação da PEC não foi concluída na comissão especial. Foi aprovado o texto-base, mas não as emendas.
Devido à mudança da legislatura, em 2019, a proposta voltou à fase anterior — no caso, sem a previsão anti-aborto. Vale o parecer aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que não entrou no mérito e apenas entendeu que a extensão da licença não é inconstitucional.
Para a PEC avançar agora, é preciso que seja criada uma nova comissão especial. Será designado um novo relator, que produzirá outro parecer. Após a proposta ser votada no colegiado, segue para o plenário da Casa, onde precisa de 308 votos, em dois turnos.
O texto altera o artigo da Constituição sobre direitos trabalhistas, para estender a licença hoje de 120 dias para o número de dias que o bebê ficou internado, com limite de até 240 dias.
Deputados ligados à frente parlamentar sobre prematuridade têm pedido ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a instalação da comissão especial sobre o tema, mas ainda não houve resposta.
Pai de prematuros e autor da PEC no Senado, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) fez um pedido formal à presidência da Câmara em abril. Os parlamentares também têm feito apelos informais.
“Foi falado até com a irmã dele [de Rodrigo Maia], que é gêmea, mas ainda não temos resposta”, afirmou o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), vice-presidente da frente, ao HuffPost.
Fundadora e diretora executiva da Associação Brasileira da Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuro, Denise Suguitani acredita que a retirada do trecho anti-aborto pode facilitar a aprovação.
“Foi aprovada por unanimidade no Senado. Todas aquelas questões que acabaram atrapalhando não estão presentes. A gente está bem mais otimista”, afirmou à reportagem.
O envolvimento pessoal dos deputados com o tema também é um fator que favorece a tramitação.
“Quando a gente conversa nos corredores do Congresso, eles falam ‘meu neto, sobrinho ou filho foi prematuro’. Muitos deles se identificam. Tem uma empatia. É uma situação traumática, que pode deixar sequelas”, afirma Suguitani.
Custos com prematuros chega a R$ 15 bilhões por ano
A estimativa da associação de pais de prematuros é de que o custo com UTI para esses bebês no Brasil seja de R$ 15 bilhões por ano. De acordo com pesquisa feita pelo grupo com 2.900 famílias nessa condição entre outubro de 2016 e junho de 2019, o período médio de internação desses bebês na UTI neonatal foi de 51 dias.
A média de custos diários por paciente desse tipo de serviço é de R$ 934,48, segundo estudo realizado na Santa Casa de Misericórdia e Maternidade de Rondonópolis (MT).
Já o índice de prematuridade brasileira é de 11,5%, segundo a pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), divulgada em 2016. São considerados prematuros bebês nascidos antes de 37 semanas de gestação.
O número de nascimentos registrados no Brasil em 2017, por sua vez, foi de 2,87 milhões, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o que representa mais de 330.000 nascimentos prematuros.
Conscientização sobre prematuridade
Além da luta para estender a licença-maternidade, as famílias também querem ampliar a visibilidade da discussão sobre prematuridade e reforçar medidas para reduzir os indicadores. O grupo também tem pressionado pela aprovação do PL 10739/2018, que prevê atividades de conscientização sobre o tema no chamado “Novembro Roxo”.
O texto aguarda votação na Comissão de Seguridade Social. Após essa etapa, precisa ser votado pela CCJ antes de seguir para o plenário.
Entre as ações de prevenção à prematuridade, estão medidas de planejamento familiar, acompanhamento da saúde da mulher e do pré-natal, além do debate sobre o parto adequado.
Os 11,5% de prematuros identificados pela pesquisa da Fiocruz são quase o dobro da taxa em países europeus. De acordo com o estudo, há casos em que o parto é antecipado sem indicação, em mulheres com cesarianas agendadas ou quando há avaliação incorreta da idade gestacional.
A prematuridade provocada por intervenção médica por indução do parto ou cesariana foi de 41% das 23.894 mulheres entrevistadas. Os outros 59% correspondem a casos de prematuridade espontânea.
O Brasil tem a maior taxa de cesarianas do mundo, correspondendo atualmente a 56% dos partos e a quase 90% no setor privado, segundo o estudo. Ainda de acordo com a pesquisa, a cesariana foi realizada em 45% das mulheres de baixo risco, sem nenhuma complicação obstétrica.
A fim de ampliar a visibilidade desse debate, a associação de pais de prematuros abriu um diálogo com o Ministério da Saúde, que irá apoiar institucionalmente campanhas de conscientização promovidas pelo grupo.
Também foram discutidas medidas como a adoção de selos de qualificação para hospitais considerados referência na área e melhorias na execução do método canguru, como garantir que sejam disponibilizadas cadeiras ao lado da incubadora em muitos hospitais.
Considerado referência, o método é um modelo de assistência ao recém-nascido prematuro internado na UTI em que ele é colocado em contato pele a pele com sua mãe ou com seu pai.
São apontados como benefícios do método estimulação do aleitamento materno, desenvolvimento neurocomportamental e psico-afetivo do recém-nascido, favorecimento da estimulação sensorial do bebê, redução do estresse e da dor do prematuro e fortalecimento do vínculo entre a criança e os pais.
Por Marcella Fernandes