Em julho de 2019, a bicampeã olímpica de vôlei e comentarista esportiva Fabi Alvim teve uma filha, Maria Luiza, com a esposa Julia Silva. Em meio à correria dos primeiros meses de maternidade, Fabi conversou com a ONU Mulheres sobre machismo e lesbofobia no esporte e sobre a esperança de um futuro mais igualitário para a filha e para todas as mulheres. Leia a entrevista.
(Nações Unidas Brasil, 19/09/2019 – acesse no site de origem)
Em julho de 2019, a bicampeã olímpica de vôlei e comentarista esportiva Fabi Alvim teve uma filha, Maria Luiza, com a esposa Julia Silva. Em meio à correria dos primeiros meses de maternidade, Fabi conversou com a ONU Mulheres sobre machismo e lesbofobia no esporte e sobre a esperança de um futuro mais igualitário para a filha e para todas as mulheres.
ONU Mulheres: Quais foram os grandes aprendizados que o esporte lhe trouxe?
Fabi Alvim: O esporte me trouxe valores incríveis que certamente vou levar para a minha vida e também compartilhar com minha filha. Trabalho em equipe, respeito, tomada de decisões e pensar de forma coletiva são alguns aprendizados que ficaram em mim. O esporte me ajudou muito no meu processo de formação como pessoa e como cidadã.
ONU Mulheres: Quais foram as maiores barreiras que você enfrentou no esporte pelo fato de ser mulher?
Fabi Alvim: Me lembro de alguns episódios (de machismo), mas, para exemplificar, vou falar de um em que fomos questionadas por algumas derrotas. Muitas vezes, nosso talento e competência eram colocados em dúvida pelo fato de sermos mulheres. Diziam que éramos frágeis na hora decisiva.
Mas, para não ficar só no exemplo negativo, já que vejo uma pequena evolução nesse cenário em um passado recente, homens e mulheres atletas do vôlei recebíamos premiações diferentes por conta do sexo. Hoje, hoje isso não existe mais. Melhoramos, mas precisamos continuar avançando. Não somente no esporte, mas na sociedade como um todo. Temos que tratar os gêneros de forma igualitária.
ONU Mulheres: A homofobia e a lesbofobia já foram uma barreira a mais em sua carreira como atleta?
Fabi Alvim: Eu tive sorte em algumas passagens na minha vida. Uma delas foi não ter enfrentado de forma direta esse preconceito. Mas, ao mesmo tempo, também penso que eu não tinha um olhar atento para essas questões. Eu estou nesse processo de evolução e de desconstrução de muita coisa. Hoje, eu estaria mais preparada para perceber e questionar a discriminação, se isso aparecesse. Também sei que sou privilegiada, pois não é sempre assim que acontece. Ao contrário, os números mostram como o nosso país é perverso e preconceituoso em relação à sexualidade.
ONU Mulheres: Houve momentos em que o esporte lhe serviu como ferramenta para preservar sua autoestima e lutar contra a lesbofobia?
Fabi Alvim: Sim, houve. Eu acho que quando me aceito e falo mais diretamente sobre minha homossexualidade, eu me liberto, e o esporte me ajudou a me sentir mais forte. Além disso, hoje, tenho uma compreensão da importância da representatividade.
ONU Mulheres: A conexão equivocada entre gostar de praticar esportes e ser lésbica esteve presente em sua carreira como esportista?
Fabi Alvim: Essa conexão existe, sim. As pessoas confundem personalidade com sexualidade. Eu sempre gostei de brincadeiras e esportes ditos masculinos como soltar pipa e jogar futebol. Mas, quantas meninas jogam futebol e soltam pipas e não são lésbicas? Talvez isso tenha a ver com a cultura machista que atribui aos homens características como força e competitividade.
Mas, esses são traços importantes para qualquer atleta, e não necessariamente traços de masculinidade ou que revelam a orientação sexual de alguém. A questão são os rótulos. Eu sofri esse questionamento desde muito cedo. Agora que me tornei mãe, tenho a certeza de que a minha filha tem duas aliadas que a apoiarão a fazer o que ela escolher, e espero também que o esporte seja uma possibilidade para ela. Desejo que a experiência dela seja mais evoluída do que a que encontrei no passado. Rotular as pessoas é diminuir possibilidades.
ONU Mulheres: Como foi o seu processo de se declarar lésbica publicamente? Qual o significado disso para você mesma e para outras mulheres lésbicas atletas?
Fabi Alvim: Foi um processo muito interessante de aceitação, de medo e de questionamentos. Mas também de orgulho. Me abrir e dividir com outras pessoas minha orientação sexual me aproximou de mim mesma. Tenho orgulho da pessoa que me tornei, da família que estou construindo. Além disso, acredito que, de alguma forma, isso mostra para as pessoas que é tudo bem ser lésbica! Sempre digo que passar pelo processo de aceitação é uma desconstrução, e quando a gente se conecta com o que nos deixa feliz, a gente quer que outras pessoas sintam isso também.
ONU Mulheres: Que tipo de reflexões a maternidade tem lhe trazido? Em que mundo você gostaria de ver Maria Luiza crescer?
Fabi Alvim: Eu faço inúmeras reflexões diariamente (risos). Planejamos muito essa filha! Eu só espero que ela encontre um cenário melhor do que o que eu encontrei. Que ela possa ser o que ela quiser. Eu serei parceira, amiga, mãe. Quero ensinar e aprender com ela. Mas, principalmente, desejo mostrar que tudo vale a pena.
Também espero deixar claro que ser gentil, honesta e humilde são opções que dizem muito de cada um e cada uma de nós. Desejo que ela vá à luta, vá em busca de desafios, que ela questione e que ela seja amiga de seus amigos. E que aconteça o que acontecer, nós, as mães, estaremos aqui para compartilhar tudo. Espero que nossa filha viva em um Brasil verdadeiramente democrático, que respeite os direitos humanos e que valorize cada pessoa pela sua existência.
Empoderamento de meninas pelo esporte
“Uma Vitória Leva à Outra” é um programa conjunto da ONU Mulheres e do Comitê Olímpico Internacional, em parceria com as ONGs Women Win e Empodera. Ele visa garantir que meninas e mulheres possam participar, trabalhar com, governar e desfrutar do esporte em igualdade de condições.
O programa foi reconhecido como um legado dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e, em sua segunda fase, de 2018 a 2021, treina organizações esportivas a trabalhar com o empoderamento de meninas por meio do esporte e, assim, garantir resultados de longo prazo na quebra do ciclo da violência.
Por meio da prática esportiva, as meninas adquirem uma série de habilidades transferíveis para outras áreas da vida, como o ambiente de trabalho e as relações humanas. Por exemplo: aprendem a ter disciplina, trabalhar em equipe, respeitar as regras e jogar de forma justa, manter o foco e a persistência para alcançar metas bem estabelecidas etc.
Em outras palavras, seus ganhos “em campo” possibilitam ganhos “fora de campo”. Em 2030, marco para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — incluindo o ODS 5, que visa à igualdade de gênero —, as meninas adolescentes de hoje serão jovens mulheres, que devem estar preparadas para ocupar e liderar os espaços que lhes são de direito.
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