(Agência Fapesp) Há cerca de 30 anos, a professora Sara Olalla Saad, do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), se dedica a estudar a Anemia falciforme e aplicar o conhecimento no tratamento de pacientes.
A doença é hereditária e tem maior incidência entre as populações afrodescendentes. No Brasil, a prevalência é de uma a cada mil pessoas, em média. Na Bahia, onde o contingente de negros é maior, a doença atinge um em cada 650 indivíduos nascidos vivos.
Em entrevista Saad comentou os rumos das pesquisas sobre anemia falciforme e destacou que as condições sociais dos pacientes, associadas às sequelas neurológicas, contribuem para que a doença, apesar de sua alta incidência e gravidade, seja negligenciada pelas políticas públicas de saúde. Veja trechos selecionados:
Agência FAPESP – Como a senhora avalia o impacto da doença na qualidade de vida do paciente?
Sara Olalla Saad – Todos consideram o diabetes, por exemplo, uma doença grave pelas sequelas que pode causar. Mas a anemia falciforme é muito mais grave, porque o paciente tem todos os órgãos lesionados. As hemácias, com má formação, têm dificuldade para atravessar os capilares, que podem entupir, causando necrose, morte celular e crises de dor intensa. É comum o aparecimento de úlceras nas pernas, descolamento de retina, priapismo, acidente vascular cerebral, enfartes, insuficiência renal e pulmonar. Todos os ossos são comprometidos, causando dores nas articulações. E a doença é um caminho sem volta: com o passar do tempo ela só piora. Quando esses indivíduos chegam aos 40 anos, o quadro é de uma gravidade desesperadora.
Agência FAPESP – Pode-se dizer que a anemia falciforme foi negligenciada ao longo da história?
Sara Olalla Saad – Sim, com certeza. Basta observar a história da hidroxiureia. Em 1992, já havia evidências em humanos de que a droga era eficiente e mesmo assim não conseguíamos aprovação. O Ministério da Saúde publicou uma portaria para o uso da hidroxiureia na qual foi incluída uma absurda lista de efeitos colaterais e um termo de consentimento para que o paciente não queira usar. Mas usávamos a droga há 10 anos e esses efeitos colaterais nunca ocorreram. Qualquer remédio pode ter muitos efeitos colaterais, mas eles podem ser raros, enquanto as sequelas da doença são absolutamente reais.
Agência FAPESP – Por que houve tanta resistência à adoção do medicamento?
Sara Olalla Saad – Não sei. Não entendo por quê. Mas acho que a negligência pode estar ligada ao fato de que esses pacientes são muito pouco mobilizados. São muito carentes, muito pobres, vários são afrodescendentes, têm uma doença crônica e grave, com sequelas neurológicas. São excluídos da sociedade de todas as formas.
Leia a entrevista completa: Anemia falciforme é problema cada vez mais grave, diz especialista (Agência Fapesp – 05/12/2011)