No Brasil, iniciativa da ONU Mulheres já soma 67 mil assinaturas. Para diretora do canal GNT, um dos principais apoiadores do projeto, campanha levou o assunto igualdade de gênero para a pauta pública
(O Globo, 30/09/2019 – acesse no site de origem)
“Tudo o que o mal precisa para triunfar é que homens e mulheres de bem não façam nada contra ele”. Há 5 anos, a atriz e embaixadora global da Boa Vontade da ONU Mulheres , Emma Watson , citava o estadista inglês Edmund Burke em seu discurso para o lançamento da campanha HeForShe ou, em português, ElesPorElas , com o intuito de trazer os homens para a luta pela igualdade de gênero. Mas de lá para cá, o que mudou?
Para Daniela Mignani, diretora do canal GNT , um dos principais apoioadores do movimento no Brasil, a maior mudança foi ter trazido o termo igualdade de gênero para a pauta pública, algo que há cinco anos não era nem reconhecido como uma questão.
— O público não conseguia entender o que era igualdade de gênero — conta Daniela. — Hoje, a gente já fala muito mais de igual para igual. O maior ganho, na minha opinião, é que o assunto está colocado dentro do microcosmo das famílias.
De acordo com a representante interina da ONU Mulheres no Brasil, Ana Carolina Querino, iniciativas e o apoio de instituições como o GNT, que aborda continuamente assuntos pertinentes a campanha em programas como Saia Justa e Papo de Segunda , tem sido essencial para levar a mensagem do ElesPorElas a pessoas que não tinham ideia do que era a discussão.
— O documentário e pesquisa “Precisamos falar com os homens” realizado pela ONU Mulheres e pelo site Papo de Homem, e o documentário “O Silêncio dos Homens”, também produzido pelo Papo de Homem, são exemplos concretos de ações que têm influenciado a reflexão e mudança de atitude das pessoas, em especial dos homens. — completa Ana.
Empresas como Avon, Bradesco, Kpmg, Promundo e Twitter também apoiam o ElesPorElas, o que, segundo Ana Carolina Querino, é importante para a promoção da causa.
Guerras dos Sexos
Quando foi inaugurado, a principal pauta do #ElesPorElas era fundamentar que o movimento feminista não coloca as mulheres contra os homens, desmistificando o mito da “guerra dos sexos”. Pelo contrário. A ideia era gerar a compreensão de que a igualdade entre os gêneros é vantajosa para ambos e, portanto, não é uma questão de lutar um contra o outro, mas sim lutar ao lado, desqualificando arquétipos que são maléficos para a sociedade como um todo .
Para o GNT, que tem 70% de público feminino, foi essencial fazer com que as mulheres, em um primeiro momento, entendessem e reconhecessem que elas ainda não têm direitos iguais aos homens, motivá-las para essa luta para que, aí sim, pudessem convidar os homens a integrar o movimento ao seu lado.
— Nosso primeiro movimento foi despertar a consciência da mulher em relação aos aspectos da igualdade de gênero. Para isso, falar com o público proeminentemente feminino era o primeiro passo que tínhamos que dar para as mulheres se reconhecerem neste movimento. O primeiro passo foi gerar reflexão — afirma Daniela.
A campanha não ajuda apenas a combater empecilhos que estão na vida das mulheres. Também faz parte da ideia tirar dos homens fardos e estereótipos gerados pelo peso da masculinidade tóxica.
— O ElesPorElas nos ajuda a quebrar estereótipos como os de que os homens para serem homens têm que ser violentos, não podem demonstrar emoções, só têm o papel de provedor e não podem cuidar, não podem chorar, tem que ser viris… e também nos ajudar a trazer consciência e ação para remover barreiras e melhorar políticas. O movimento estimula o diálogo entre homens e com a sociedade em geral, para que todos exerçam um papel proativo, de parceria e de não-julgamento — explica Ana.
Daniela completa:
— Como eles, hoje, por uma questão cultural e estrutural, ocupam maior espaço, precisam estar conscientes de que é benéfico para todos essa partilha de espaços.
O movimento se apoia em três As: atenção, através da educação, sensibilização e conscientização; argumentação, obtida pelo impacto de políticas e planejamento; e ação, viabilizada pela captação de recursos e ações do tipo. O ElesPorElas também está integrado ao esforço número 5 da lista de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que é alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.
O ElesPorElas em números
No Brasil, o movimento já soma quase 67 mil assinaturas, o que representa um alto nível de aderências em relação ao contingente populacional, de acordo com o site da ONU.
— Isso significa que temos pessoas que assumiram formalmente seu compromisso. Para mudar a realidade do Brasil e construir um mundo melhor para todos e todas, mais próspero, sustentável e que não deixa ninguém para trás, precisamos de milhões de pessoas assumindo esse compromisso publicamente e nas suas ações diárias, em especial as pessoas em posição de poder — afirma Ana.
Apesar do país viver um momento de conservadorismo crescente , Ana e Daniela mantêm uma perspectiva positiva no que diz respeito ao avanço na luta pela igualdade de gênero.
— Esse paradoxo faz parte das grandes transformações sociais. De um lado, algumas pessoas demonstram medo do desconhecido e de perder seus privilégios, por isso, renegam os direitos das outras pessoas. Por outro lado, temos cada vez mais pessoas conscientes de seus direitos e que entendem que para seguir um desenvolvimento sustentável das economias e da sociedade precisamos eliminar as desigualdades. O movimento ElesPorElas busca pontes e mudanças que beneficiem mulheres e meninas, homens e meninos — ressalta Ana.
Por Audryn Karolyne