Cacau Miler está presa na Penitenciária Industrial de Joinville (SC), uma unidade exclusivamente masculina. Lá, cumpre pena de 12 anos por tráfico de drogas, roubo e furto, segundo a Justiça.
(Universa, 08/10/2019 – acesse no site de origem)
Quando chegou, sua identificação era Elvis Moisés Teixeira. Mas, como se identifica como mulher transexual, agora será oficialmente conhecida pelo seu nome feminino, que deverá constar no prontuário, graças a uma decisão judicial. Os funcionários do presídio deverão ser orientados a chamá-la pelo nome social.
Aos 34 anos, também terá direito a produtos de asseio pessoal, como hidratante, tinta de cabelo e lixa de unha, bem como acesso a tratamento hormonal, caso queira. E Cacau quer.
Em conversa por telefone com Universa, autorizada pela direção do presídio, Cacau falou sobre o simbolismo da sua vitória na justiça.
Expressando-se com facilidade, ela demonstra conhecer seus direitos. Por isso, foi atrás deles ao procurar, em abril passado, a Defensoria Pública, responsável pela ação.
Quase seis meses depois, no último dia 19 de setembro, a 3ª Vara Criminal e de Execuções Penais da cidade determinou o fornecimento dos produtos, a mudança do nome oficialmente e a alternativa do tratamento hormonal.
“Outras pessoas vão atrás do caminho que abri”
“É árduo o caminho que a gente percorre até chegar numa decisão dessas”, diz Cacau, que crê num ambiente mais receptivo a partir de agora na penitenciária, que já tem um espaço de convivência para o público LGBT. Pelas suas contas, ao menos outros cinco detentos do presídio devem buscar as mesmas garantias. “Essas outras pessoas já disseram que vão atrás desse caminho que eu abri. Então, tende a melhorar.”
Cacau conta que está em processo de transformação e deve começar a fazer tratamento para os pelos.
“Para mim, isso é uma vitória e para o grupo LGBT. É uma vitória porque eu estou abrindo precedentes para que outras pessoas tenham os direitos respeitados. Espero que os governantes deem atenção para o público LGBT”, diz Cacau.
Para chegar à decisão que beneficiou Cacau, o juiz João Marcos Buch citou preceitos do Conselho Nacional de Combate à Discriminação sobre direitos a visita íntima, cabelos compridos e nome de acordo com a identidade de gênero.
Também tomou como base a garantia da dignidade da pessoa humana, segundo a Constituição Federal, bem como na aplicação da legislação internacional de direitos humanos quanto à orientação sexual e identidade de gênero.
Na decisão, o magistrado ainda mencionou a criminalização da homofobia, decidida pelo Supremo Tribunal Federal em junho deste ano, e um decreto do estado de Santa Catarina, de maio, segundo o qual transgêneros e travestis têm o direito de serem chamados pelo nome social no âmbito da administração do estado.
De acordo com Buch, o presídio de Joinville informou à Justiça que já garantia à detenta acesso a produtos usados por mulheres. Para o juiz, no entanto, são condições diferentes. “As necessidades que uma mulher tem são diferentes das necessidades de uma travesti ou uma transgênero.”
Segundo ele, mais pedidos semelhantes ao de Cacau devem surgir de agora em diante por haver uma “demanda reprimida” no sistema prisional causada pela insegurança e por medo de exposição.
Exemplos de respeito às diferenças no sistema carcerário
Também no sul do país, o respeito à identidade de gênero nos presídios serviu de exemplo para a decisão a favor de Cacau que pode ser parâmetro para garantia dos direitos de outros na mesma situação.
No Paraná, as pessoas transgêneros presas podem usar roupas masculinas ou femininas, maquiagem e tintura de cabelo e mantê-los compridos. A Portaria nº 87 do Departamento Penitenciário paranaense, publicada no mês passado, assegura igualmente o tratamento hormonal, visita social e íntima, e atenção integral à saúde.
A iniciativa partiu de um movimento paranaense voltado à promoção dos direitos das pessoas transgêneros, que estima haver 60 travestis e transexuais no sistema carcerário estadual.
O departamento prisional foi procurado, tendo em vista o “alto grau de vulnerabilidade” dessas pessoas nas penitenciárias, segundo Karollyne Nascimento, coordenadora do Transgrupo Marcela Prado.
Karollyne reforça a intenção do grupo. “Não é passar a mão na cabeça de ninguém, cada um tem um motivo por estar lá.” Segundo ela, o que o público LGBT quer para as pessoas transgêneros que estão nas penitenciárias paranaenses é “fazer com que elas não se sintam ainda mais excluídas da sociedade”.
Na avaliação da juíza Ana Carolina Bartolamei Ramos, que ajudou a elaborar a portaria, agora é importante divulgar os direitos garantidos pela nova norma. “A gente fez essa portaria e agora quer começar o trabalho de descobrir [as detentas transgêneros] porque muitas têm medo de se identificar.”
Por Daniel Leite