Para a psicóloga Denise Quaresma, pós-doutora em Estudos de Gênero, as mulheres, historicamente, são pressionadas a ter uma “aparência perfeita”
(GaúchaZH, 08/10/2019 – acesse no site de origem)
Body shaming é uma expressão em inglês que, traduzida, significa “vergonha do corpo”. É o nome que se dá à prática de atacar uma pessoa verbalmente por conta de sua forma física – e deixá-la com vergonha por isso. Esses ataques normalmente são feitos pelas redes sociais.
Foi pelo que passou Cleo, 37 anos, atriz e cantora. Nos últimos meses, ela ganhou cerca de 20 quilos e vem sendo duramente criticada e constrangida.
A situação ganhou repercussão e trouxe à tona a questão: por que o peso o da mulher é sempre comentado? Se ela emagrece ou se ela engorda, não importa. A forma do corpo feminino parece sempre ser assunto.
Para a psicóloga Denise Quaresma, professora da Universidade La Salle e pós-doutora em Estudos de Gênero, isso se dá porque as mulheres, historicamente, são pressionadas a ter uma “aparência perfeita”.
– Facilmente temos a autoestima associada ao corpo, pela produção da imagem perfeita que foi feita durante décadas pelas mídias. Infelizmente, viramos produto de consumo e permitimos isso, pela falta de crítica a este modelo patologizante – observa.
Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, exibida no domingo (6), Cleo falou sobre o assunto e refletiu a respeito da relação com o próprio corpo e quais estratégias adotou para lidar com o body shaming.
– Não é normal você ser pressionada, julgada dessa forma por causa da sua aparência – comentou.
A prática de tirar sarro do corpo dos outros surgiu há tempos com as celebridades, quando elas eram fotografadas em ângulos, digamos, pouco favoráveis, deixando à mostra o que muita gente considera um “defeito”. Com as redes sociais, é possível mascarar esses “defeitos” – o que leva a outro outro problema:
– Essas críticas impactam, na medida em que a pessoa que as recebe precisa ter um ego muito bem constituído para não considerá-las. Nota-se que a grande maioria das pessoas sucumbe a essas críticas avassaladoramente, pois no dia a dia escutamos pessoas que estão em busca de melhorar o corpo emagrecendo, como se a magreza fosse garantia de felicidade ou realização pessoal. O que é um grande engano – analisa Denise.
Uma das muitas consequências do body shaming, além dessa insatisfação permanente, é o desejo de querer mudar o que desagrada no próprio corpo, baseado na opinião dos outros. No caso de Cleo, ela admitiu que chegou a ter vergonha e medo de sair às ruas, por causa dos comentários que surgiriam, ainda mais se tratando de uma pessoa pública.
– Paradoxalmente, as mulheres, que tanto sofrem com a ditadura do corpo perfeito, postam (fotos de) seus corpos com Photoshop, concorrendo enlouquecidas nas curtidas recebidas, ou seja, produzem esta doença social e acabam sendo vítimas de si mesmas – frisa Denise .
Infelizmente viramos produto de consumo e permitimos isso, pela falta de crítica a este modelo patologizante
Denise Quaresma
Em 2012, a jornalista gaúcha Vanessa Musskopf, 35 anos, criou um blog no qual compartilhava a experiência de ter emagrecido depois de parar de fazer dietas milagrosas. Era o Santa Dieta – Porque milagres não existem. Cerca de três anos depois, porém, ela abandonou o projeto. O motivo? Desenvolveu uma compulsão alimentar e voltou a ganhar peso. Percebeu que havia um problema de saúde envolvido e procurou ajuda. Esse problema, porém, Vanessa reconheceu que estava na cabeça dela e não na sua forma física:
– Emagreci e virei um sucesso. Minha magreza era elogiada, exaltada, foi capa de revista. O que pouca gente sabia é que, internamente, eu estava lutando contra a compulsão alimentar agravada pelos longos períodos de privação alimentar aos quais me submetia. Desenvolvi uma depressão que quase me tirou a vida, mas graças à terapia e ao acompanhamento de uma nutricionista comportamental, refiz as pazes com a comida e com meu corpo – afirma. – Hoje vejo o quanto tempo perdi focando meu tempo e minha energia em me encaixar em um padrão que eu jamais conseguiria, pois ele não existe – conclui.
Na entrevista, Cleo revelou que teve bulimia, também luta contra a compulsão alimentar e faz terapia. A última é a forma que encontrou para descobrir o autoconhecimento e para se proteger das críticas:
– Na medida em que nos damos conta do que somos, do que produzimos, do que nos mantém de fato na vida, percebemos que somos mais do que um corpo e do que o estigma que este nos proporciona, de modo positivo ou negativo. Olhar para o que fazemos, o que conquistamos, é a chave de uma melhora na autoestima – sustenta Denise.
Por Rafaella Fraga