Diplomatas brasileiros pelo mundo foram surpreendidos no início do ano quando começaram a receber ordens do Itamaraty para mudar de maneira radical todo o posicionamento tradicional do estado em temas como mulheres, gênero e LGBT.
(UOL, 31/10/2019 – acesse no site de origem)
Agora, depois de uma forte pressão da sociedade civil, do STF e mesmo de governo estrangeiros, o Itamaraty deu os primeiros sinais de que reconhece que sua estratégia fracassou.
Em novas instruções enviadas aos diplomatas brasileiros em postos no exterior, o gabinete de Ernesto Araújo suavizou as ordens, ainda que não as tenha retirado por completo e mantenha posições de princípios. Observadores interpretaram o gesto como um sinal claro do desgaste pelo qual o chanceler submeter o Itamaraty.
Numa das instruções das últimas semanas, o governo modificou em parte a ordem de vetar de forma contundente o termo “igualdade de gênero” em todos os trechos encontrados em textos sob negociação na ONU e em instituições internacionais.
No início do ano, o governo indicou que todos os textos de resoluções, declarações ou documentos oficiais que surgissem com tal expressão deveriam ser alvo de uma ação dos diplomatas brasileiros. Em seu lugar, o Brasil deveria recomendar que a frase fosse trocada para “igualdade entre homens e mulheres”. Para o governo brasileiro, portanto, gênero seria apenas o biológico.
A instrução causou enorme desconforto em muitos dos diplomatas brasileiros no exterior e gerou a incompreensão de governos estrangeiros.
A atitude também foi denunciada pela sociedade civil, alertando que o Itamaraty poderia estar violando até mesmo decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a questão de gênero.
Duramente criticado, o Itamaraty enviou novas instruções aos seus diplomatas em que aponta que a troca da frase “igualdade de gênero” por “igualdade entre homens e mulheres” deve ser proposta. Mas apenas quando for possível durante uma negociação.
O governo continua preferindo evitar a questão de gênero. Mas reconhece que terá de se adaptar.
Outra instrução passada aos diplomatas se refere aos textos já aprovados no passado com o termo “igualdade de gênero” e que tiveram o voto até mesmo do estado brasileiro. Nesses casos, as missões brasileiras foram orientadas a aceitar o texto como tal, sem exigir novas mudanças.
Um levantamento realizado pelo governo mexicano apontou que mais de 200 documentos e resoluções existiam com o termo que o Brasil pretendia vetar. O temor de muitas delegações era de que o Itamaraty estivesse focado em desfazer um consenso que já dura mais de 25 anos.
Os mais céticos dentro do próprio Itamaraty são cautelosos em afirmar que Araújo possa ter desistido de adotar tal postura nos organismos internacionais. Uma das interpretações é de que, diante do forte desgaste que ele sofreu ao fazer tais propostas, o chanceler possa ter optado por ganhar tempo – e simpatia – antes de voltar a tentar fazer avançar sua agenda ultraconservadora.
Por Jamil Chade