(iG) A emancipação feminina deu passos importantes este ano, especialmente na política, mas ainda não é capaz de modificar as relações de poder nas universidades brasileiras. As mulheres já superaram os homens em número de estudantes e até doutores, mas a paridade em cargos de chefia ainda está longe de ser realidade. Mesmo à frente das salas de aulas, elas estão em desvantagem em relação aos homens.
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Dados do Ministério da Educação mostram que, na educação básica, há muito mais professoras do que professores. A diferença é imensa. Do total de 2 milhões de professores identificados pelo Censo Escolar em 2010, 80% eram do sexo feminino. Curioso é que, mesmo assim, elas não são maioria entre os docentes da educação profissional. Território de mais “prestígio” na educação básica – onde os salários são mais altos e a estrutura de trabalho, melhor – tem 54% de seus 62 mil professores do sexo masculino.
As mulheres são maioria entre os professores da educação básica, mas isso não se repete no ensino superior
A proporção de 45% de mulheres nesses postos em todos os tipos de instituição – universidade, centro universitário, faculdade – só não se repete nos institutos federais de tecnologia, onde elas representam 37% do efetivo de docentes. Para os estudiosos das diferenças de gênero em postos de trabalho, a desigualdade entre homens e mulheres ainda se dá porque há discriminação no ambiente acadêmico e científico e por causa dos papéis domésticos, muito mais assumidos pelas mulheres.
José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, ressalta que as mulheres vivem mais que os homens, os ultrapassaram no nível educacional e na quantidade de eleitores. “Houve um grande avanço, mas que não se traduziu na ocupação dos espaços de poder. A primeira razão é a divisão sexual do trabalho. Culturalmente, as mulheres se responsabilizam mais pelo trabalho doméstico e sobra menos tempo para elas investirem na carreira”, comenta.
Mas não é só isso. Na avaliação de Marlise Matos, professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos sobra a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ambiente acadêmico é discriminatório. “Existe um mito de que a ciência e a academia são lugares isentos. É fundamental que a gente compreenda que esses campos são políticos, lugares de disputa de poder. E, por isso, ele reflete o contexto social no qual está inserido: uma sociedade patriarcal, machista, racista e heterossexista. Não vamos encontrar mulheres, negros e homossexuais em postos de grande importância”, diz.
Ângela Maria Paiva Cruz, 56 anos, é uma das poucas mulheres que conseguiu chegar ao posto máximo em universidades brasileiras. Para Ângela, a desvalorização do trabalho feminino é revelada pelos números e pela própria história da academia. Em 53 anos de história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ela foi a primeira mulher eleita para a reitoria da instituição. “Nunca senti preconceito, mas falta estímulo para que as mulheres assumam esses cargos de chefia, por uma questão cultural mesmo”, avalia.
Há menos de um ano no posto, Ângela procurou aumentar os espaços das mulheres nos postos de liderança. Ela, que já foi vice-reitora, mantém paridade entre homens e mulheres na direção de departamentos, pró-reitorias e coordenações. “As mudanças na sociedade são muito lentas. Temos que criar mecanismos mesmo”, destaca.
Quebrando barreiras
Para Marlise, a conquista da educação pelas mulheres foi tão importante quanto o direito ao voto. Mas as mudanças em todos os setores das universidades ainda levarão mais tempo para ocorrer. “Elas foram para o processo escolar em arenas segmentadas, se dirigindo para as profissões do cuidado. Isso porque o mundo privado sempre foi das mulheres e o público, dos homens. A quantidade não muda a qualidade. Somos mais de 50% da população e são as mulheres que socializam seus filhos. No entanto, essas relações não mudaram. As relações patriarcais e machistas não são patrimônios dos homens”, analisa.
Mulheres superam homens no doutorado
Na opinião da especialista, os modelos podem ajudar a mudar esse cenário. A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, é um deles. “É importante para que as mulheres se identifiquem, vejam que podem. Isso é importante, mas não é condição suficiente para garantir transformação”, reforça. Ela lembra que Dilma não conseguiu colocar mulheres à frente de 30% dos ministérios. Dos 38 ministros de Dilma, 10 são mulheres. “Enquanto os ambientes públicos e privados continuarem sendo vistos como masculinos e femininos, respectivamente, isso não muda”, diz.
Marlise acredita que os homens precisarão participar mais da criação dos filhos e dos cuidados domésticos para que isso mude. Além disso, o Estado precisa criar mecanismos que facilitem as tarefas, como investir em creches, restaurantes e lavanderias populares. José Eustáquio Diniz Alves concorda que é preciso criar políticas públicas que estimulem o fim da desigualdade. “As políticas afirmativas, com cotas mínimas de participação na política e nas empresas, por exemplo, têm se mostrado eficazes”, afirma.
Mulheres bem-sucedidas no ambiente acadêmico, seja na pesquisa ou à frente de instituições, admitem que o mais difícil é conciliar a vida familiar e a profissional. Assim como Ângela, outras profissionais não reconhecem o preconceito de gênero ou acreditam que ele é velado. Mayana Zatz, professora titular de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), conta que só se sentiu discriminada nos Estados Unidos. “Fui fazer pós-doutorado muito nova lá e fiquei muito chocada. Os salários são diferentes”, relembra.
Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Instituto Nacional de Células-Tronco em doenças genéticas, Mayana acredita que as mulheres se afastam dos postos de chefia porque não acreditam na possibilidade de conciliar a criação dos filhos com a carreira. O que ela é absolutamente contra. “Ninguém precisa abrir mão de nada, dá pra conciliar tudo”, garante a professora que, entre os filhos, era chamada de “ditadora”, tamanha sua presença.
Os dois filhos de Mayana – um casal – não seguiram a vida acadêmica da mãe, mas aprenderam que os direitos são iguais. “Eles não conseguem pensar na possibilidade de que uma mulher deixe de trabalhar por causa dos filhos”, afirma. Graduada em biologia, Mayana concluiu o pós-doutorado em Genética Humana e Médica pela Universidade da Califórnia e ganhou diversos prêmios com suas pesquisas em células-tronco. Hoje, ela que já publicou 317 trabalhos científicos, se divide entre viagens internacionais e a USP.
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Dora Leal Rosa, reitora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), garante que nunca teve dificuldades para crescer na profissão. Exceto dentro de casa. Ela admite que as jornadas de trabalho exigentes – ela já foi pró-reitora por duas vezes – custaram sacrifícios também na vida pessoal. O apoio da família foi fundamental para que ela conseguisse ocupar o posto de reitora. Ela é a segunda mulher, em uma história de 200 anos da instituição, a assumir a reitoria.
“Nossa geração foi muito sacrificada, mas acredito que as próximas vão se beneficiar disso”, diz. Aos 63 anos, Dora, que é doutora em Educação, conta que começou trabalhando como técnica da universidade. Trabalhava na área de orçamento e se lembra de o reitor, à época, procurar um homem para trabalhar no setor porque as mulheres não tinham disponibilidade para viajar. “Tudo mudou muito”, garante.
Acesse em pdf: Maioria no ensino superior, mulheres ainda estão em desvantagem (iG – 09/12/2011)