Dois jovens paulistanos são vizinhos em um prédio no litoral do estado de São Paulo, onde as famílias veraneiam. O rapaz, de 18 anos, se encanta pela garota, de 13. Mas ela rechaça qualquer tipo de relacionamento com ele. O jovem, então, passa a persegui-la. Não só manda mensagens ameaçadoras em redes sociais, coagindo a moça a permitir uma aproximação, como também a segue na rua e aparece nos locais que ela frequenta.
(Universa, 16/01/2020 – acesse no site de origem)
O começo dessa perseguição foi em 2013. Na época, a família da garota processou o rapaz por ameaça e ficou estabelecido que ele deveria pagar uma multa de R$ 2.000 caso voltasse a procurá-la. Mas, sem se sentir intimidado pela sentença, ele continuou mandando mensagens e seguindo a adolescente. Nunca foi cobrado pela Justiça. Chegou a criar perfis fakes no Instagram para ameaçá-la, em um tom cada vez pior. “Vou te matar retalhada”, “vou expor suas vísceras”, escrevia.
Em 2018, cinco anos depois de abrir o processo, a família da jovem, hoje com 18, conseguiu que o caso, mantido na Justiça comum, fosse investigado por um juizado de violência doméstica. Assim, buscam assegurar uma medida protetiva para a jovem, ferramenta disponibilizada pela Lei Maria da Penha, e tentar garantir que ele não a procure mais.
Advogada da família da garota, Ana Carolina Moreira Santos, criminalista e conselheira seccional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), afirma que é a primeira vez que um caso brasileiro de stalking, a perseguição obsessiva física ou virtual envolvendo pessoas que não tem relação, corre na vara de violência doméstica. “É uma vitória para os direitos das mulheres. Estudei muito o tema e não encontrei precedentes”, diz.
De fato, essa adequação é uma novidade: para que a situação se enquadre como violência doméstica é necessário haver ou ter havido relacionamento íntimo entre vítima e agressor. Então, como um processo em que duas pessoas mal se conhecem ou não mantêm relação poderia entrar nessa seara?
“A Justiça reconheceu que a prática de perseguição contumaz se submete ao juizado de violência doméstica por causa da subjetividade do agressor. Mesmo que a vítima e ele jamais tenham tido algum vínculo, esse homem acredita que haja uma relação”, explica Ana Carolina.
A advogada espera que a decisão traga respostas mais firmes para casos do tipo. Ela já pediu a medida protetiva para a jovem e aguarda a decisão do juiz da vara de violência doméstica. “Caso o agressor descumpra a medida, haverá possibilidade de prisão preventiva, o que não é estabelecido para o crime de ameaça, que tem uma pena exígua [até dois anos] e ainda poderia ser convertida em outro tipo de punição, como pagamento de cesta básica.”
Projeto de lei quer assegurar que stalking se enquadre na Maria da Penha
Atualmente, a legislação brasileira não trata stalking como crime. A perseguição obsessiva é considerada uma contravenção penal, infração de baixa gravidade. Por isso, tem penas mais brandas, que vão de prisão de 15 dias a dois meses, além da possibilidade de pagar multa, cestas básicas ou prestação de serviço comunitário.
Um projeto de lei, já aprovado pelo Senado e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, quer tornar a perseguição crime e aumentar a pena de detenção, que poderá ser de seis meses a dois anos. Além disso, prevê aumento de pena para até três anos se a perseguição for feita por mais de uma pessoa, se houver uso de armas ou se o agressor for íntimo da vítima. O projeto aguarda votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara e, depois, segue para análise do plenário.
A proposta avança ainda mais na proteção, especificamente, das vítimas mulheres. Caso a vítima seja do gênero feminino, podem ser aplicadas as medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha.
Pesquisas internacionais apontam que as mulheres são as maiores vítimas de stalking. Segundo levantamento publicado em 2014 pela fundação americana OCD (da sigla em inglês para Centro de Controle e Prevenção de Doenças), 15,2% das mulheres e 5,7% dos homens, nos Estados Unidos, já foram vítimas de stalking.
Por Camila Brandalise