“Sabe a lenda do boto? Que no passado a gente ouvia falar que lá na região ribeirinha as pessoas acreditavam que o boto engravidava menina? A história do boto é uma grande farsa. Era o pai que engravidava a menina e botava a culpa no boto”, afirmou a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves à TV Brasil em agosto do ano passado.
(Universa, 20/02/2020 – acesse no site de origem)
A ministra falava ali sobre os altos índices de abusos sexuais registrados no Pará, em especial no Arquipélago do Marajó, onde estão concentrados alguns dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do país. Segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil, com informações do Censo, 14 dos seus 16 municípios estão na lista dos piores lugares para sobreviver.
Foi nesse conjunto de ilhas que surgiram, a partir do século 18, as primeiras histórias do boto encantado. Nas fábulas, o animal, ao cair da noite, transforma-se num homem dançante, alto e forte, trajando terno branco e chapéu, que seduz mulheres e, antes da madrugada, pula para a água e volta à forma do mamífero. Contada tantas vezes desde então, e de diferentes formas, de alguma maneira a lenda desaguou em narrativas machistas e criminosas — e acabou usada para acobertar crimes de estupro e incesto.
Universa conversou com especialistas, historiadores e ativistas na região para tentar explicar como folclore e estupro desembocaram numa mesma correnteza, por que o Pará amarga décadas num histórico de exploração sexual e violência contra crianças e quais as perspectivas de mudança nesse quadro. Você acompanha aqui, ainda, o relato de uma menina que foi estuprada dos 11 aos 15 anos pelo próprio pai — um caso que, infelizmente, não é isolado.