(Época.com) Tão logo foi aprovado, o projeto de lei que proíbe o uso de castigos físicos na educação das crianças começou a causar polêmica. Apelidado de “Lei da Palmada”, o projeto foi questionado por parecer uma interferência do Estado na forma como os pais criam seus filhos. Mas para a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), relatora do texto na Câmara, essa imagem é uma distorção do que o projeto realmente trata.
O projeto, de autoria do Executivo, foi enviado ao Congresso durante o governo Lula, e atende a um compromisso firmado pelo Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), de mudar a sua legislação para adequá-la às posições do Comitê de Direitos Humanos para crianças e adolescentes da ONU. Segundo a deputada, mais de 30 países já mudaram suas legislações.
De acordo com a relatora, o objetivo da lei não é punir pais que usam da palmada para disciplinar os filhos, mas educar para evitar casos em que a violência doméstica se torna extrema. “A violência doméstica é a segunda maior causa de mortes de crianças, só perde para os acidentes de trânsito. É um problema de saúde pública”, diz Teresa.
O projeto foi aprovado na última quarta-feira (14), e segue para o Senado. A polêmica começou após a aprovação, quando a notícia chegou aos jornais. Segundo a deputada, parte da polêmica se deve à falta de informação sobre o que o projeto realmente significa, inclusive pelo nome que o texto ficou conhecido. “A palmada não é o objetivo do projeto. Nosso objetivo é atingir casos extremos. Mas muitos desses casos de violência começam com a palmada, então essa é uma forma de educar a sociedade”.
A deputada também refuta a tese de que a lei vai proibir pais de impor limites aos seus filhos. “A criança precisa de limites. Mas esse limite não é o da pancada, o da violência”, afirma. Segundo a relatora, usar violência para educar os filhos é que torna os jovens violentos, e ela cita um estudo da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) que mostra que 70% dos jovens que praticam bullying nas escolas sofreram algum tipo de castigo físico na infância.
Se aprovada pelos senadores e sancionada pela presidente da República, a lei vai prever campanha permanenente de educação e esclarecimento, para ensinar pais a educar e impor limites sem o uso de castigos físicos.
Teresa Surita faz um paralelo com a questão do tabagismo. Como no caso do cigarro, o Estado não está se intrometendo no direito do cidadão fumar, mas está obrigado a fazer campanhas mostrando os riscos. “Nosso caso é parecido: o Estado fica obrigado a informar que é possível educar sem o uso de violência. Se o pai quer educar usando dor, vai fazer isso consciente do risco. O que queremos é uma mudança cultural, mostrar que é possível educar sem bater”, explica.
O projeto não prevê punição a pais que usarem castigos físicos. Mas em situações mais graves, como no caso de crianças que são encaminhadas para pronto-socorro por violência doméstica, a lei prevê que a criança e os pais sejam encaminhados para orientação psicológica. “Ninguém vai mandar pai para psicólogo por causa de palmada. Agora, quando vemos casos de crianças que são encaminhadas duas, três vezes para hospitais por castigos, precisamos agir para proteger essa criança”.
Outro dispositivo da lei prevê que profissionais das áreas de educação e saúde devem denunciar casos de maus tratos que tiverem conhecimento. Essa medida já consta no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas a lei a torna mais abrangente, e o texto prevê multa para os profissionais que não denunciarem.
Para conseguir aprovar o projeto, a deputada teve que enfrentar antes uma resistência da bancada evangélica. Pastores e deputados ligados a grupos cristãos temiam que a lei fosse uma interferência do Estado na educação das famílias. Além disso, um trecho do Antigo Testamento defende o uso da vara, e o versículo é usado como exemplo por alguns grupos religiosos.
“Fiz uma reunião com o PMDB e a bancada evangélica, e expliquei o texto. Quando eles entenderam a proposta, não só concordaram como sugeriram mudanças para aprimorar o texto”, diz Teresa. Uma das mudanças foi trocar a expressão “castigo corporal” por “castigo físico”. Isso porque, segundo os deputados, colocar uma criança de castigo poderia ser interpretado como “castigo corporal”. O termo “castigo físico” seria mais preciso, delimitando o uso de violência.
Após a reunião, a bancada evangélica na Câmara passou a apoiar ao texto, o que permitiu ser aprovado sem passar no Plenário. Apesar disso, um importante líder evangélico, o pastor Silas Malafaia, fez duras críticas à lei. Malafaia disse que a lei é uma “palhaçada”, e que vai mobilizar os senadores para vetar a proposta. Como se vê, o debate ainda não acabou.
Leia também: Nova lei não vai punir pai que dá palmada, garante deputada (Terra – 16/12/2011)
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Natasha Pitts, jornalista da Adital) Beliscões, palmadas e isolamento deverão ser deixados no passado. Na última quarta-feira (14), em Brasília, Distrito Federal (Brasil), o polêmico Projeto de Lei que proíbe pais e responsáveis de aplicar castigos físicos nos filhos foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados dentro da comissão especial criada para estudar o assunto. A aprovação foi bastante comemorada por organizações que defendem o direito da criança e do adolescente por ser considerada o início de uma nova forma de educar.Para Perla Ribeiro, membro da Coordenação Colegiada da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), a Lei da Palmada, como ficou conhecida, marca o começo de um processo de transformação cultural de como o brasileiro lida com a educação de crianças e adolescentes.
“Esta lei é fundamental, é um ponto de partida. Com a provação dessa lei se inicia um processo de conscientização. Atualmente ela não está sendo entendida de fato, e os meios de comunicação têm uma participação negativa nisso. Ninguém está interferindo, os pais podem educar seus filhos como quiserem, só não podem usar de violência. Nem os pais, nem o sistema de internação de menores podem basear o processo educativo na violência”, esclarece.
Segundo Perla, a lei trabalha com uma perspectiva de prevenção, por isso será necessário criar campanhas e trabalhar com os pais novas maneiras de educar, de modo a deixar no passado beliscões, palmadas e castigos que causem traumas psicológicos, como deixar a criança isolada por muitas horas sem água e comida.
“Estudos mostram que crianças que sofrem castigos corporais crescem e tendem a reproduzir o comportamento violento. Elas também percebem que existe a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. Da mesma forma que em uma relação entre homem e mulher não deve existir violência, o que defendemos é que na relação entre pais e filhos também não deve haver”, defende.
Sobre as críticas à Lei da Palmada, Perla justifica que a comoção se deve à mudança de paradigma. “Não havia reflexão sobre como a violência poderia afetar crianças e adolescentes. Quando se aboliu a palmatória das escolas também houve grande repercussão. Os professores questionavam como ficaria sua autoridade em sala de aula. Hoje, quando se pensa nessa prática vemos que é absurda. Todo processo é construído historicamente. Quem sabe daqui a 50 ou 20 anos a gente também pense que bater para educar não faz sentido”, arremata.
Lei da Palmada
Após a aprovação unânime, em caráter conclusivo, dentro da comissão especial, o Projeto de Lei (PL) 7672/10 irá para tramitação e votação no Senado Federal. Este processo só será interrompido se pelo menos 52 deputados interpuserem recurso. Caso isto aconteça, a legislação volta para ser apreciada no Plenário da Câmara.
O PL em discussão prevê que sejam encaminhados a programa oficial de proteção à família e a cursos de orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, os pais que usarem de castigos físicos e humilhantes. A criança ou adolescentes que sofrer a agressão física deverá ser encaminhada a tratamento especializado.
Os casos de suspeita de agressão física e tratamento cruel ou degradante deverão ser avisados ao Conselho Tutelar, órgão responsável por fazer cumprir os direitos da criança e do adolescente.
Acesse em pdf: Aprovação da Lei da Palmada é considerada início de uma nova forma de educar (Adital – 16/12/2011)
(editorial da Folha de S.Paulo) Texto final da Lei da Palmada aprovado em comissão da Câmara dos Deputados tenta conciliar opiniões sobre o tema
É comum, nas famílias modernas, a situação em que filhos pequenos rapidamente aprendem a interpretar a seu favor as regras impostas pelos mais velhos.
Um “não pode”, conforme o tom com que foi dito, pode bem significar o seu contrário; e há recomendações que, embora feitas com sinceridade (“coma mais”, “experimente a verdura”, “não provoque sua irmã”), não serão, e disso sabem todos, seguidas ao pé da letra.
Acontece algo parecido com o texto final da lei que proíbe castigos físicos às crianças, aprovado agora em comissão da Câmara dos Deputados.
Fruto de uma negociação entre dois setores igualmente representativos da sociedade, não é que a chamada Lei da Palmada seja insatisfatória. Muito ao contrário: aponta para uma visão pedagogicamente adequada da vida familiar, privilegiando o diálogo e formas de autoridade paterna que dispensem, como em todo aspecto da vida civilizada, o recurso à intimidação e à força bruta.
O texto tornou-se, entretanto, algo difícil de interpretar, e não por acaso. O fato é que a própria sociedade, para não dizer muitos educadores, mostrou-se dividida em torno da questão.
Nas áreas mais retrógradas, quase sempre representadas por deputados da bancada evangélica, o recurso ao castigo físico ainda é uma prerrogativa que muitos pais não se dispõem a abandonar. Orgulham-se, até, de procedimentos que consideram “formadores do caráter” de seus filhos -quando o que se forma, frequentemente, nada mais é que o ressentimento, o trauma e a hipocrisia.
No outro extremo, a insegurança quanto à própria autoridade pode levar apenas à completa ausência de limites, que deforma o comportamento de tantas crianças acostumadas a ver os pais intimidados diante de seus menores caprichos.
Reprovando claramente, como deveria ser, a agressão feita a título supostamente educativo, a Lei da Palmada procurou também distinguir, de forma tácita, entre os casos desse tipo e as situações que seria exagero criminalizar.
Decidiu-se coibir, assim, o uso do castigo físico quando resultar em “sofrimento” ou “lesão”. Proíbe-se, com isso, o tapinha que uma criança incontrolável venha ocasionalmente a receber?
Difícil responder com certeza. Terminará cabendo ao juiz avaliar se é justificável a intervenção do Estado sobre os procedimentos dos pais, encaminhando-os a um acompanhamento psicológico e a cursos de orientação.
No fundo, vale para a Lei da Palmada, e para os próprios pais, o princípio que a orienta na relação com as crianças: melhor educar do que punir.
Excetuados os casos mais extremos, certamente campanhas públicas de esclarecimento tendem a ser mais produtivas, num âmbito geral, do que as intimações da Justiça para atingir o que se pretende: um clima de civilização e respeito que, tanto por parte de pais como de filhos, tantas vezes parece faltar no cotidiano brasileiro.
Acesse em pdf: Educando os pais, editorial (Folha de S.Paulo – 18/12/2011)