Coronavírus piora situação em abrigo para mulheres: “Estamos confinadas”, diz presidente
(Universa/UOL, 25/03/2020 – acesse no site de origem)
Após a ONU Mulheres alertar para o aumento no número de violência doméstica desencadeado pela pandemia de coronavírus, a administradora Rita de Cassia D’ambrosio, presidente do abrigo para vítimas de violência Help Centro de Desenvolvimento Social e Capacitação Humana, na Baixada Santista, viu o número de pessoas que pedem ajuda a ela triplicar. O problema é que justamente por causa do isolamento para conter o vírus, as vítimas estão impossibilitadas de sair e, o que pode ser pior – entrar.
O coronavírus tem influenciado diretamente nas atividades do abrigo. Em dias normais, por exemplo, só da região da Baixada Santista chegavam até duas vítimas pedindo ajuda a Rita. Mas desde que a pandemia atingiu o país, ela recebeu seis num único dia.
Segundo mostrou o site de notícias Sixth Tone, o aumento da violência doméstica foi uma das consequências do isolamento registrada na China, primeiro país a confinar sua população para controlar o avanço da covid-19. Em algumas delegacias, o número de denúncias triplicou em fevereiro. O motivo: mulheres e crianças vítimas de violência doméstica ficam expostas a seu agressor 24 horas por dia. Rita exemplifica:
“O confinamento faz a violência doméstica aumentar por vários motivos, seja porque o agressor é dependente químico e passa o dia em casa bebendo, ou se drogando porque não está na rua fazendo bico e desconta na mulher”.
Rita é presidente da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que ela montou há 12 anos quando, de dentro do carro, viu uma mulher correndo com um bebê no colo, ensanguentada, em meio ao trânsito. Atrás dela, o ex a ameaçava com um facão.
O espaço que mantém com recursos próprios e doações atende mulheres em situação de violência de todos os estados.
Ali, e com auxílio de voluntários, ela ajuda essa mulher a se capacitar, arrumar emprego e conseguir alugar uma casa.
Mas Rita sente-se de mãos atadas, já que justamente por causa do isolamento não pode ficar aceitando a grande circulação de pessoas no local.
“Estou pegando casos menos graves de violência e encaixando na casa de vítimas que já abriguei na instituição.
Estamos fazendo pré-seleção, pela falta de leitos e também porque estamos em quarentena. Se antes abrigava a partir do momento em que a vítima pedia, mesmo tendo família, agora estamos apenas com as que não têm ninguém”, ela explica.
O espaço tem hoje 15 mulheres abrigadas, além dos filhos de algumas delas, totalizando 25 pessoas. E com o confinamento e as atividades paradas, essas mulheres estão ficando mais abaladas psicologicamente, Rita conta:
“Elas estão entrando em desespero porque estão confinadas, e temos que conversar toda hora, porque as pessoas mais carentes não têm a mesma visão que a gente, sobre confinamento. Estamos vivendo como um BBB”.
Além dessas restrições, outro agravante apontado por Rita é a queda nas doações. Ela precisa desde alimentos e produtos de limpeza até beliche, e curada recentemente de uma pneumonia, ela mesma tem ido aos locais para retirar o material:
“Sei que corro risco, mas minhas filhas estão criadas e não tenho medo da morte, até porque trabalho com violência doméstica”.
O atendimento
As vítimas chegam até a casa de Rita pelas delegacias de polícia ou indicadas pela vizinhança, que já conhece o serviço. Além de doações, Rita conta ainda com o trabalho voluntário de psicólogos, médicos, advogados, assistentes sociais entre outros profissionais. Fora o atendimento no local, eles promovem palestras em igrejas e associações.
No total, são cerca de 1500 atendimentos por mês, mas nem todas as mulheres vão para o abrigo. Quando se faz necessário, Rita aciona essa equipe de voluntários para ajudar a essas pessoas fora da casa.
E quem vai para o abrigo —de 20 a 60 mulheres por mês —, recebe auxílio para arrumar emprego, enquanto o filho vai para uma escola. Rita também ajuda a vítima a arrumar uma casa para ficar, ao valor de R$ 450 o aluguel, além de mobiliar o local.
Como tudo começou
Rita trabalhava na administração da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S.A), em São Bernardo do Campo. Separou-se do marido alcoólatra enquanto estava grávida de três meses e com a filha mais velha com um ano e meio de idade.
Cansou-se da vida no ABC Paulista e escolheu viver em Santos com as duas filhas, hoje com 24 e 26 anos.
“Poucos meses após a mudança, estava parada no sinal de trânsito quando vi uma mulher correndo na rua, segurando um bebê no colo, toda ensanguentada, e um cara segurando um facão atrás dela. E ninguém fazia nada. Joguei meu carro na frente do sinal e abri a porta pra ela entrar. O cara ainda arranhou a lateral da porta”, Rita lembra.
Mãe e filho foram direto para o hospital, feridos com cortes profundos. Após se recuperarem, Rita os levou para sua casa e os abrigou por seis meses, até conseguir um emprego para a mulher e um local para a dupla ficar. Mas a vítima voltou meses depois:
“Ela bateu na porta da minha casa de novo, pedindo socorro, mas para uma outra vítima, dizendo que eu era a única pessoa que podia ajudar. Quando me dei conta, estava com mais de 13 mulheres dentro da minha casa, até alugar um apartamento menor para mim e deixá-las de vez lá”.
A primeira pessoa que Rita ajudou hoje vive feliz em Juazeiro do Norte (CE). Nem ela nem nenhuma outra mulher voltou ao espaço como vítima.
“Esse é um dos motivos que me leva a continuar o trabalho. Já vendi até apartamento e carro para bancar a casa”, ela diz.
Rita conta ainda com seis diretoras da Oscip, algumas delas que já passaram pelo local, vítimas de violência doméstica.
Elas se revezam no pagamento das contas. Quem puder contribuir, basta entrar nas redes sociais de Rita ou da Help.
Por Luiza Souto De Universa