No Rio de Janeiro, houve um aumento de 50% nos casos de violência doméstica nos últimos dias
(Universa/UOL, 27/03/2020 – acesse no site de origem)
A pandemia do novo coronavírus age de forma drástica pelo mundo e alterou rotinas que há muito já estavam estabelecidas. No nosso Judiciário não foi diferente. Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça, em uma medida de contenção do vírus, estabeleceu em resolução a suspensão de prazos processuais de natureza não urgente até o dia 30 de abril.
Entre os processos previstos, estão desdobramentos da Lei Maria da Penha. Por trás desta realidade, muitas mulheres terão que esperar ainda mais para se verem definitivamente desassociadas a seus agressores.
Paula Sant’anna Machado, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo (Nudem), aponta que, de acordo com o órgão, “têm caráter de urgência os pedidos de medida protetiva, sejam novos ou relacionados a processos que já estão em andamento. A intimação e a notificação de descumprimento da medida protetiva também entram no entendimento de urgência neste período”.
Em meio aos casos não urgentes, existem processos que não estão diretamente ligados às medidas protetivas, mas que se atrelam à questão da violência doméstica e podem não ter andamento no período estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça. Como por exemplo, divórcios que já tramitam na Vara de Família, questões relacionadas à guarda de filhos e pensões alimentícias.
A advogada criminalista Soraia da Rosa Mendes, sócia e diretora do Escritório Soraia Mendes & Advogadas Associadas e autora do livro “Criminologia Feminista: Novos Paradigmas” (Saraiva Jur), afirma que “o escritório tem muitos casos em que a suspensão de prazos vai implicar em um aumento dos riscos de violência em relação às mulheres em todas as esferas, seja na área de família ou na área do direito criminal”.
Segundo ela, os processos já em curso, mesmo os que preveem o afastamento do agressor do lar, podem deixar a mulher suscetível a violências psicológicas durante o período de prazos suspensos. “Muitos desses casos dependem da regularização da guarda dos filhos ou de pensão alimentícia, por exemplo. A vítima vê seu processo estagnado e, de certa forma, continua tendo que lidar com seu agressor”, diz ela.
Oito meses sem pensão
Essa é a realidade que Juliana (nome fictício) enfrenta. Depois de vários espancamentos e ameaças, inclusive em período de gestação, decidiu acionar a Lei Maria da Penha para se ver livre do companheiro.
Há um ano, ela entrou na Justiça com o pedido de pensão alimentícia para seu filho de 2 anos de idade, mas faz oito meses que não recebe o benefício da criança. “Todo esse tempo estou criando meu filho só com o meu dinheiro. A Justiça já é superlenta e agora, com essa situação do coronavírus, tudo vai demorar ainda mais”, afirma.
Nesse período de isolamento social e recessão econômica, ela se depara com algumas incertezas em meio ao desamparo judicial. “Hoje eu estou conseguindo sustentar o meu filho sem o dinheiro da pensão, mas tudo está muito incerto. Temos que economizar, não sei como vai ser mais para a frente.”
Isolamento social e aumento da violência
Além das agressões físicas, a Lei Maria da Penha também busca colocar fim a toda agressão psicológica, moral, patrimonial e sexual. No contexto de isolamento social em que muitas mulheres se encontram, devido à pandemia de covid-19, existe o risco de estarem mais suscetíveis a esses tipos de violência.
No Rio de Janeiro esta projeção já se tornou realidade. O Plantão Judiciário da Justiça do estado registrou um aumento de 50% nos casos de violência doméstica nos últimos dias.
A promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, analisa que “durante este período de quarentena, assim como aconteceu em outros países, há uma tendência de aumento do número de casos de violência contra a mulher e do aumento do número de feminicídios no Brasil”.
“A casa ainda é o lugar mais perigoso para as mulheres”, alerta ela. De acordo com números levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o Atlas da Violência 2019, entre 2007 e 2017, 39,2% dos homicídios de mulheres no Brasil aconteceram dentro de casa.
“A pandemia do coronavírus escancara a mazela que existe no campo da proteção das mulheres historicamente no mundo inteiro — e especialmente no Brasil”, afirma a advogada criminalista Soraia Mendes. “Essa situação também expõe a falta de disposição para modificar essa cultura de violência, presente na sociedade como um todo.”
Onde procurar ajuda em caso de violência?
A Defensoria Pública de São Paulo mantém atendimento à distância em casos de violência doméstica pelos números: (11) 94220-9995 e 0800-7734340
Também é possível entrar em contato com o Ministério Público de São Paulo pelo número: (11) 3119-9000
É possível ser atendida pessoalmente em Delegacias de Polícia e Delegacias de Defesa da Mulher
A Casa da Mulher Brasileira oferece atendimentos presenciais e funciona 24 horas por dia. R. Viêira Ravasco, 26, Cambuci, São Paulo. Telefone: (11) 3275-8000
Existe também o serviço Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher. Este é um serviço do governo federal que auxilia e orienta mulheres vítimas de violência. As ligações podem ser feitas gratuitamente de qualquer parte do território nacional, 24 horas por dia
Por Letícia Sepúlveda Colaboração para Universa