Mulheres têm procurado mais o serviço eletrônico para fazer boletins de ocorrência
(Universa/UOL, 16/04/2020 – acesse no site de origem)
Casos de violência doméstica podem, desde o dia 2 de abril, após decreto publicado pelo governo de São Paulo, ser registrados online. As denúncias feitas pela ferramenta, pouco conhecida no começo, têm aumentado gradualmente, segundo a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo.
Jamila afirma que há um crescimento de registros entre 10% e 15% diariamente em relação ao dia anterior. Esses números, porém, não são consolidados — e ela ressalta a necessidade de um levantamento oficial para confirmar os dados, que devem ser divulgados no final do mês.
“Aumentou justamente porque as pessoas passaram a ter conhecimento sobre isso. Vi divulgação nas redes sociais, nos veículos de comunicação, na rede de atendimento às mulheres. Então é algo que está indo de pouquinho em pouquinho”, afirma Jamila.
O projeto que previa a possibilidade de fazer um boletim de ocorrência eletrônico para casos de violência doméstica estava sendo elaborado havia mais de um ano. Seria implementado em breve, mas teve que ser antecipado por causa da pandemia do novo coronavírus.
Por que o boletim eletrônico é importante?
A OMS (Organização Mundial da Saúde) já alertou para o aumento de violência doméstica durante a quarentena, como aconteceu na China, onde os casos subiram em um terço.
Apesar de as delegacias da mulher continuarem funcionando normalmente, a dificuldade das mulheres de acessarem os serviços da rede de atendimento é maior nesse período.
“Adiantamos a delegacia eletrônica justamente devido a essa dificuldade. A mulher pode não conseguir sair porque o agressor está o dia todo em casa, ou ela pode ser grupo de risco, e por isso não quer sair”, afirma Jamila. “Devemos garantir saídas para que essa mulher, precisando registrar um fato, não fique na mão.”
Para a promotora Valeria Scarance, do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica) do Ministério Público de São Paulo, essa é uma iniciativa que precisa continuar mesmo depois da quarentena.
“É uma inovação gigante. Tentávamos há bilhões de anos e não conseguíamos. E por que é tão importante, mesmo depois que a gente puder sair de casa? Porque no geral, a vítima, quando pensa em ir na delegacia, em falar tudo que aconteceu, ou ao ter medo em como será tratada, já tem uma apatia e desiste, não vai”, diz Valeria.
“A internet gera sensação de impessoalidade, e ela fica mais segura em denunciar. Acredito que vai fazer com que mais mulheres denunciem. Além de gerar uma estatística importante. Por isso queremos que vire uma política pública póspandemia.”
Segundo Jamila, mesmo ao fim do período de isolamento, as mulheres poderão continuar registrando ocorrências online.
“A diferença é que estávamos trabalhando para entregar a ferramenta pronta. Agora, estamos ajustando conforme funciona. Na sexta-feira (17), por exemplo, a vítima poderia anexar imagens, fotos de lesão, se houver, e prints de conversas.”
Iniciativas similares foram implementadas em outras regiões do país, como o Distrito Federal, que liberou o registro eletrônico para vítimas de violência doméstica no dia 9 de abril.
Como o boletim eletrônico funciona?
Em São Paulo, a mulher que acessa a delegacia eletrônica para registrar um caso de violência doméstica, vai encontrar um aviso logo na página inicial: “Para informar uma ocorrência de violência doméstica, utilize o cadastro de outras ocorrências”.
Há também um passo a passo das informações que precisa ter em mãos. “Por exemplo, pelo menos o primeiro nome do agressor. O RG não precisa, mas alguma informação que ela puder der.”
Também deverá contar, com as suas palavras, a situação que vive e dizer também se quer medida protetiva e se precisa ser abrigada. “Assim que o caso é registrado, recebemos um alerta e encaminhamos diretamente para a delegacia. E inclusive cobramos posteriormente para saber se o caso foi mesmo investigado”, explica Jamila.
Caso a vítima peça medida protetiva, um oficial de Justiça vai à casa do autor do crime para alertá-lo. E se for a mesma casa da mulher? “Ela pode relatar isso no B.O. e, eventualmente, o oficial pode ir acompanhado da polícia para tirar o agressor do local.” Caso descumpra a medida, ele é preso.
Quando a mulher faz o boletim de ocorrência, vamos saber o que está acontecendo. O que nos preocupa é que ela eventualmente não consiga procurar ajuda por uma agressão, acabe acontecendo o mais grave [feminicídio], e a gente não saiba o que aconteceu nesse ínterim, sendo que poderíamos ter monitorado e impedido uma morte.”
Jamila cita dados de 2019, referentes ao estado de São Paulo, para ressaltar a importância da medida protetiva. “De todos os casos de feminicídio do ano passado, em apenas 2% havia medida protetiva. Ou seja, a maioria das mulheres que morrem não têm”, diz.
“Por isso, é importante que peçam ajuda antes de chegar na violência extrema. Qualquer tipo de violência deve ser registrado, inclusive ameaça e xingamento. Ela não tem que esperar a agressão física para denunciar.”
Por Camila Brandalise