Rejeição se deu por motivos processuais. Ministro destacou ser perfeitamente possível ser contra o aborto e contra a criminalização.
(Migalhas, 01/05/2020 – acesse no site de origem)
O plenário do STF rejeitou a possibilidade do direito ao aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika. Os ministros seguiram voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que, por questões processuais, julgou prejudicada ADIn e não conheceu de ADPF.
As ações foram ajuizadas pela Anadep – Associação Nacional de Defensores Públicos questionando dispositivos da lei 13.301/16, que dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde em função da presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, chikungunya e zika.
Um dos principais pontos questionados foi o art. 18, que trata dos benefícios assistenciais e previdenciários para as crianças e mães vítimas de sequelas neurológicas. A associação pedia interpretação conforme a CF aos artigos do CP que tratam das hipóteses de interrupção da gravidez.
A maioria já estava formada no sábado, 25, quando já haviam votado Fachin, Gilmar, Moraes, Rosa e Toffoli, seguindo a relatora. Em seguida, votaram Fux, Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello, também seguindo integralmente a relatora, e o ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou o voto com ressalvas.
Voto do ministro Barroso
Inicialmente, o ministro observou que, diante da maioria já formada pelo óbice processual, não manifestaria divergência. Por outro lado, fez ressalva e apresentou reflexão sobre o tema do aborto.
Barroso destacou que a extinção das ações adia discussão de tema que os principais tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentaram: o tratamento constitucional a ser dado à interrupção de gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto.
Para S. Exa., o debate transcende a questão da zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral.
O ministro destacou ser o aborto fato indesejável, e que “o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres“. Reiterou, por sua vez, que a criminalização do ato “não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto”. Ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família.
“Esse tipo de política pública, mais acolhedora e menos repressiva, torna a prática do aborto mais rara e mais segura para a vida da mulher“, disse, destacando que acesso aos serviços públicos de saúde, informação adequada e “algumas gotas de empatia” produzirão melhor impacto sobre a realidade do que a ameaça de encarceramento.
Para que não haja dúvida: mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade.
Acrescentou, por fim, impacto da criminalização sobre as mulheres pobres.
O tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que essas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
Por fim, registrou que praticamente nenhuma democracia desenvolvida no mundo combate a interrupção da gravidez com Direito Penal, “justamente porque existem alternativas menos traumáticas e mais eficientes”.
A tradição judaico-cristã condena o aborto. Deve-se ter profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas. E, portanto, é plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática. Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado – é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, não creio. Portanto, sem abrir mão de qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização.
- Processo: ADIn 5.581