(Uirá Machado, da Folha de S.Paulo) Pesquisa do Dieese revela que 25% dos funcionários da área de limpeza na cidade relatam casos de preconceito
‘Tem hora que me sinto pior do que o lixo que carrego’, diz faxineira; entre garis, 42% relatam discriminação
Maria, 50, acorda antes das 4h para não chegar atrasada. Toma ônibus, trem e metrô e demora quase três horas no trajeto entre sua casa e o hospital onde trabalha como auxiliar de limpeza.
Ao chegar, tira a roupa “normal” e veste o uniforme com o qual passará as próximas oitos horas de seu dia. A partir daí, ela conta que as pessoas a olham de forma diferente, com menosprezo.
“Tem hora que me sinto pior que o lixo que carrego”, afirma Maria, que pede para não ser identificada.
Ela diz ter superado um episódio recente de perseguição -um funcionário do hospital sujava o chão sempre que ela limpava.
Carlos Barbosa, 35, é gari há sete anos e gosta do que faz: “Eu limpo a cidade. A rua está toda cheia de lixo. A gente passa e olha para trás. Ver tudo aquilo bonitinho, limpinho, é um orgulho”.
Mas, assim como Maria, Carlos também sente o desprezo ligado a sua profissão. “É como se não existisse naquele momento, só por causa da roupa de gari.”
ANÔNIMOS
Maria e Carlos são típicos trabalhadores da área da limpeza na cidade de São Paulo. São negros, pobres e convivem diariamente com casos de discriminação.
Pela primeira vez, o perfil desses “trabalhadores invisíveis” será conhecido. O Siemaco (sindicato que representa a categoria) lançará amanhã um estudo inédito sobre os cerca de 100 mil responsáveis pela limpeza e conservação de São Paulo.
A pesquisa, conduzida pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), ouviu 1.851 coletores de lixo, varredores, auxiliares de limpeza, jardineiros.
Segundo Moacyr Pereira, presidente do Siemaco, eles são invisíveis aos olhos da maioria das pessoas.
“Eles são considerados invisíveis. Muitos reclamam que nunca são chamados pelo nome”, diz.
De acordo com a pesquisa, 1 em cada 4 pessoas que trabalham com limpeza em São Paulo já sofreu discriminação. Entre os garis, esse percentual é maior. Chega a 42%.
Os números do preconceito, no entanto, também podem ser ainda maiores do que a pesquisa aponta.
Em conversa com a Folha, Maria e uma colega -que trabalha com ela no mesmo hospital- são questionadas sobre casos de discriminação.
A primeira reação de ambas foi dizer que não havia; “só coisas normais”.
Mas normal como?
“Se está no elevador, a pessoa te vê e não entra. Se está no refeitório, não senta na mesma mesa. Se a gente pede licença, faz que não ouve. Não chama pelo nome, não pede por favor, todo mundo acha que pode mandar na gente”, explicam.
No livro “Homens Invisíveis -Relatos de Uma Humilhação Social”, de 2004, o psicólogo Fernando Braga da Costa relata a experiência de quase uma década trabalhando com garis.
Numa das primeiras vezes que Fernando vestiu o uniforme, o então estudante caminhou pela USP e passou por colegas e professores. Ninguém o reconheceu.
Confira a rotina desses trabalhadores que relatam preconceito: folha.com/no1036959
Pesquisa Dieese
1.851 pessoas foram entrevistadas
25% dizem sofrer algum tipo de discriminação relativa ao trabalho que exercem
42% dos garis afirmam sofrer preconceito
Categorias:
coletores de lixo
faxineiras
auxiliares de limpeza
jardineiros
Acesse em pdf: Estudo detalha ‘invisibilidade’ dos garis (Folha de S.Paulo – 23/01/2012)