Hospital público em São Paulo é referência no Brasil na realização de abortos previstos em lei e no atendimento de casos de violência sexual. Paciente ouvida por Marie Claire relata que outras mulheres presentes na fila do exame também receberam o livro. Para Debora Diniz, uma das principais pesquisadoras no tema do aborto no país, a entrega de Bíblias fere a laicidade do Estado
(Marie Claire | 18/08/2021 | Por Manuela Azenha e Natacha Cortêz)
N*, de 26 anos, relata que aguardava na fila para fazer um ultrassom no ambulatório de violência sexual do Hospital Pérola Byington, no centro de São Paulo, nessa quarta-feira (18), quando um grupo de mulheres abordou ela e as demais pacientes do recinto para entregar Bíblias e absorventes. O hospital, pertencente à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, é o principal serviço onde se realiza o aborto legal no Brasil.
A estudante de engenharia está no segundo mês de gestação e procurou o serviço do hospital para interromper a gravidez, resultado de um estupro, violência que se deu dentro de uma relação abusiva. A legislação brasileira autoriza a realização do procedimento em casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mulher ou (por decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal) gestãção de feto anencéfalo.
N* não conseguiu identificar quem eram as mulheres distribuindo as edições da Bíblia. “Elas não falaram nada, só entregaram os livros e os absorventes. Acho que eram enfermeiras. Vestiam uniformes e pareciam estar trabalhando no hospital. Chegaram várias caixas, não dava pra entender se cheias de absorvente ou bíblias. Eu achei estranho porque eu estava lá para acessar meus direitos e geralmente essas religiões, católica e evangélicas, abominam qualquer direito da mulher. Eu sou uma pessoa de fé, acredito numa força maior, que vem do amor, e não que pune e prejudica apenas as mulheres. Achei muito arcaico, nada a ver um hospital distribuir isso”, disse N* à Marie Claire em condição de anonimato.