(Revista Consultor Jurídico | 21/09/2021 | Por Wagner Cinelli de Paula Freitas)
O suicídio, responsável por mais de um milhão de mortes por ano, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), é um grave problema de saúde pública. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, é uma das principais causas de óbito no planeta, matando mais do que HIV, malária ou câncer de mama.
A ABP e o CFM, visando à conscientização e à prevenção do suicídio, lançaram a campanha Setembro Amarelo, criada em 2014. Cartilha publicada pelas duas entidades indica que a relação entre suicídio tentado e consumado é distinta do ponto de vista do gênero. Há aproximadamente três vezes mais mulheres do que homens a tentar o suicídio, mas os homens, em proporção similar, superam as mulheres em número de óbitos.
Um dos fatores para essa diferença é a letalidade dos métodos usados pelos homens, que estão mais familiarizados com armas de fogo e têm mais acesso a elas, escolhendo esse instrumento eficiente com mais frequência do que as mulheres.
Durkheim escreveu o clássico “O Suicídio” em 1897 e muitos estudos já foram realizados, mas continuamos a saber pouco sobre esse tema, que, como a morte em geral, é um assunto tabu.
Postas as diferenças de gênero e também o conhecimento limitado sobre a questão, examinemos o que é sabido sobre uma parcela desse universo, a das mulheres que são vítimas de companheiros abusivos e se autolesionam.
A professora Sylvia Walby, diretora do Centro de Violência e Sociedade da City University of London, aponta que no Reino Unido, com relação ao suicídio de mulheres, a média anual é de dez mil tentativas e 200 consumações, sendo que uma em cada oito tem histórico de violência doméstica e abuso.
Essa fotografia, entretanto, é provavelmente ainda mais contundente, pois essas pesquisas costumam enfrentar obstáculos, como investigações criminais que não avançam muito — a permitir que muitos suicídios não tenham a motivação esclarecida —, ou que, ainda que eventualmente, acabem classificando erroneamente um feminicídio como suicídio.
O Saúde Brasil 2018, publicado pelo Ministério da Saúde, traz diversos estudos e, quanto ao risco de óbito para mulheres com notificação de violência, considerado o período de 2011 a 2016, indica que a lesão autoprovocada foi um importante tipo de violência apurado, notadamente entre as mulheres adultas (30 a 59 anos) e idosas (60 anos ou mais). Aponta também que a violência crônica tem sido considerada um fator de risco para lesão autoprovocada, o que, a seu turno, é fator de risco para o suicídio.
Vejamos dois casos notórios ocorridos em diferentes países e que bem representam a relação mulher vítima de violência e autoextermínio.
Alexandra Reid, enfermeira, 30 anos, foi encontrada morta em sua casa em Anfield, Liverpool, em 24/2/2020, uma semana após ter procurado a polícia para reportar as violências que sofria do companheiro, Peter Yeung. As investigações indicaram que houve suicídio e que o ato extremo ocorreu exatamente em razão dessas agressões, que eram físicas, emocionais e financeiras, e que a vítima temia que não lhe dessem credibilidade. Peter foi réu em ação criminal que resultou na sua condenação por três infrações penais, sendo duas agressões e um crime de dano, recebendo penas de seis meses, quatro meses e um mês de prisão.
Alex, como era conhecida, não foi assassinada. Tirou sua própria vida. Mas o processo criminal que tramitou no Magistrate’s Court de Liverpool deixou evidente que ela era uma vítima contumaz do companheiro, a indicar tenha sido esse o motivo de seu desespero, empurrando-a para o ato fatal.
Outro caso de suicídio bastante divulgado foi o da jovem marroquina Amina Filali, que foi estuprada aos 15 anos de idade e obrigada a se casar com o criminoso para que ele se livrasse da ação penal. Infeliz com aquele destino e se sentindo isolada por todos, tomou veneno, pondo fim à sua vida, o que provocou movimento que culminou na alteração do Código Penal do Marrocos em 2014, retirando-se dali o benefício que favorecia o estuprador.
A violência de gênero, como visto, ainda se faz presente nas várias sociedades e a mulher vítima de violência, especialmente aquela que se repete, está mais sujeita a se autolesionar e a repetição da autolesão é um dos caminhos que leva ao suicídio.
É através da igualdade de gênero que ocorre o processo de libertação, a significar mais mulheres trabalhando, ocupando postos-chave e também menos mulheres vítimas de violência de gênero. Logo, menos vítimas fatais, seja de feminicídio, seja de suas próprias ações motivadas tantas vezes pelo isolamento e pelo desespero.
A conscientização a respeito de tão grave problemática é fundamental para a alteração da triste estatística que a envolve. Conscientizar para reduzir o suicídio, de homens e de mulheres. Quanto a essas, cabe a todos nós apurarmos nossos sentidos para percebermos os pedidos de socorro que ocorrem no silêncio, especialmente os das vítimas crônicas de companheiros violentos, para que nossas ações não sejam tardias.