15/08/2013 – Com poucos e piores papéis femininos, Hollywood “esquece” mulheres da plateia

15 de agosto, 2013

(IG) Estatísticas desafiam mito de que elas vão menos ao cinema, usado pela indústria para justificar desequilíbrio nas telas.

Em uma temporada de blockbusters marcada pelo fracasso de filmes encabeçados por Will Smith, Johnny Depp, Ryan Reynolds e Channing Tatum, uma comédia protagonizada por duas atrizes com mais de 40 anos, “As Bem-Amadas”, foi um dos principais destaques da lista de sucessos. Com bilheteria mais de três vezes maior do que o orçamento de US$ 43 milhões (R$ 100 milhões), o longa com Sandra Bullock e Melissa McCarthy é a nova esperança para fazer com que Hollywood entenda um recado: o público quer ver mulheres nas telas.

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Há anos a indústria norte-americana se apoia em uma lendária regra – mulheres vão menos ao cinema – para justificar o notável desequilíbrio na distribuição de papéis, sobretudo principais.

De todos os 4.475 personagens com fala nos cem filmes de maior bilheteria nos EUA em 2012, apenas 28,4% são femininos.

Trata-se do pior índice desde 2007, quando o levantamento começou a ser feito pela pesquisadora Stacy L. Smith, da Universidade do Sul da Califórnia. Segundo ela, em apenas dois dos cem filmes avaliados o elenco era majoritariamente feminino.

E embora a percepção geral seja a de que homens jovens são a principal fonte de lucro de Hollywood, dados da Motion Pictures Association of America apontam o contrário: em 2012 as mulheres compraram 50% dos ingressos vendidos e representaram 52% das pessoas que foram ao cinema ao menos uma vez nos EUA e no Canadá – uma tendência que vem sendo registrada desde 2009.

“A lógica dos estúdios é: se elas estão comprando ingressos, por que devemos oferecer-lhes outros filmes? Eles querem fazer dinheiro e estão fazendo. O ônus é todo nosso”, afirmou ao iG Melissa Silverstein, criadora do site Women in Hollywood. Para ela, criou-se a percepção de que apenas as histórias masculinas são universais. “A ideia é: mulheres vão ver filmes sobre homens, mas homens não vão ver filmes sobre mulheres.”

Contra esse argumento está o sucesso financeiro de longas como “Thelma e Louise” (1991), “O Diabo Veste Prada” (2006), “Mamma Mia” (2008), das sagas “Crepúsculo” e “Jogos Vorazes” e do próprio “As Bem-Amadas”. Além disso, um júri formado majoritariamente por homens reunido pelo site Indiewire escolheu cinco filmes com equilíbrio de papéis ou centrados em mulheres como os cinco melhores de 2013 até agora: “Antes da Meia-Noite” , “Upstream Color”, “Spring Breakers”, “Frances Ha” e “Stories We Tell”.

São filmes de menor orçamento, que disputaram as salas com as superprodulões “Homem de Ferro 3” , “O Homem de Aço” ,”Wolverine – Imortal” , “Além da Escuridão – Star Trek” e “Velozes e Furiosos 6” – franquias de ação e longas inspirados em quadrinhos, gêneros que historicamente deixam as mulheres de lado.

Quando conseguem ser lançados, longas deste tipo com protagonistas femininas passam por um escrutínio maior: basta um fracasso para que toda a proposta esteja condenada. “Os fabricantes de brinquedo vão dizer que (heroínas) não vendem o suficiente e a indústria vai lembrar dos dois filmes terríveis que já foram feitos e dizer: ‘Viu? Não dá'”, lamentou Joss Whedon, criador da série “Buffy – A Caça Vampiros”, ao “Daily Beast”.

Pesa, ainda, o fato de as mulheres não serem consideradas estrelas de grande apelo no circuito estrangeiro, cada vez mais fundamental no faturamento de Hollywood . “Filmes de ação e ficção científica se saem melhor no mercado internacional do que dramas e comédias. Por isso, os atores que ‘viajam’ bem costumam ser homens. E acho que, no futuro, as estrelas serão pessoas cujo apelo está mais no visual do que no diálogo”, afirmou Ty Burr, crítico do jornal Boston Globe e autor de “Gods Like Us: On Movie Stardom and Modern Fame”.

No livro, Burr nota que houve uma inversão de papéis: nas primeiras três décadas da história do cinema o público-alvo era justamente o feminino. “Os homens podiam expressar muito do que sentiam abertamente, nas atividades do dia a dia. Com isso, o cinema, uma projeção em massa de vidas internas e secretas, importava mais para a metade da população que não tinha poder”, escreveu.

Não por acaso, no passado as atrizes apareciam com frequência muito maior nos rankings anuais de atores mais bem pagos publicados pela Quigley Publishing Company. Em 1932, cinco mulheres estavam na lista (inclusive nos três primeiros lugares); em 2012, apenas uma: Anne Hathaway, na segunda posição.

Nenhuma mulher está no ranking de mais bem pagos de todos os tempos e desde 1967 só duas atrizes chegaram à primeira posição: Julia Roberts em 1999 e Sandra Bullock em 2009. Em comparação, elas alcançaram a liderança seis vezes na década de 1930 e sete na de 1960.

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“Tenho fome de bons papéis femininos”

Questionada pelo iG sobre a qualidade dos personagens em Hollywood, a atriz australiana Miranda Otto, de “O Senhor dos Anéis” e “Guerra dos Mundos”, diz que muitos deles são “tediosos”.

“Tenho fome de bons papéis femininos – tanto de interpretá-los quanto de assisti-los. Mas muitas vezes parece que eles são escritos apenas para mostrar que os homens do filme não são gays”, afirmou. “De vez em quando você recebe várias propostas legais e pensa: ‘uau, está melhorando’. Mas, depois, volta ao zero.”

Um papel feminino forte foi o que a atraiu em “Flores Raras” , longa de Bruno Barreto que estreia nesta sexta-feira (16) e narra o romance da poeta norte-americana Elisabeth Bishop (Otto) com a empresária brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires).

“O roteiro me impressionou porque as mulheres me pareceram verdadeiras, identificáveis, inteligentes, multifacetadas. Admirei o modo como viveram suas vidas e as soluções que encontraram para seus problemas”, contou.

A produtora de “Flores Raras”, Lucy Barreto, disse que a captação de recursos para o filme foi especialmente difícil por causa do tema: amor entre duas mulheres. “Faltam filmes brasileiros com protagonistas femininas. Temos belos personagens a serem retratados”, afirmou Barreto, que prepara a cinebiografia de Anita Garibaldi com Letícia Sabatella.

Caso brasileiro

No Brasil, a situação segue o modelo de Hollywood: os melhores personagens femininos raramente estão nos filmes de grande apelo comercial. “Há mais papéis – bons e em geral – para os homens. Geralmente nós somos a mulher ou a namorada”, disse Simone Spoladore, uma das principais atrizes do cinema brasileiro desde sua estreia em 2001 com “Lavoura Arcaica”.

De modo geral, os gêneros são caracterizados de forma distinta. “As mulheres querem casar, conquistar o amor, às vezes lutar pela família. O homem quer ser político, combater traficantes, é mais definido pela profissão”, afirmou Paula Alves, organizadora do Femina (Festival Internacional de Cinema Feminino), cuja décima edição aconteceu em julho no Rio.

Dados levantados por Alves mostram que a evolução é lenta no cinema nacional. De todos os filmes produzidos entre 1991 e 2000 no Brasil, 63,5% tinham protagonistas homens contra 13,8% de mulheres. Na década seguinte, os percentuais passaram, respectivamente, para 56,33% e 18,18%. “Quanto mais filmes tiverem protagonistas femininas, mais chance terá de ser um protagonismo melhor”, avaliou.

Para muitos especialistas, bons papéis dependem de um maior espaço para cineastas, roteiristas e produtoras mulheres, que hoje são minoria tanto em Hollywood quanto no Brasil . O estudo de Stacy Smith com base nas 100 maiores bilheterias de 2012 revela que a porcentagem de personagens femininos aumenta 10,6% se há uma mulher na direção e 8,7% se há uma roteirista.

“Não significa que mulheres não podem criar grandes personagens masculinos e vice-versa. Eles já criaram e ainda criam”, disse a pesquisadora Martha Lauzen, diretora do Centro para Estudos sobre a Mulher na Televisão e no Cinema da Universidade de San Diego. “Mas as pessoas tendem a trabalhar com o que conhecem, e o percentual de papéis femininos só vai aumentar quando o percentual de mulheres por trás das câmeras aumentar também.”

Acesse o PDF: Com poucos e piores papéis femininos, Hollywood “esquece” mulheres da plateia (IG, 15/08/2013)

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