Praticamente ignorada no noticiário dos grandes veículos de comunicação – um paradoxo (ou boicote?), considerando-se que se trata de parte envolvida –, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação vai acontecer de 14 a 17 de dezembro e a sociedade – real interessada – não ouviu falar e não sabe o que é a Confecom.
Crítico da omissão da imprensa, o jornalista e professor da ECA/USP Eugênio Bucci explica o que é e como funciona a Confecom:
“Convocada em abril por um decreto do presidente da República, a Confecom já realizou assembleias abertas em centenas de cidades. Agora, em novembro, ocorrem os encontros regionais – em todos os Estados e no Distrito Federal -, com a presença dos delegados eleitos nos municípios. Dentro de um mês, de 14 a 17 de dezembro, virá a etapa nacional, em Brasília, para a qual são esperados 1.500 participantes (representando as empresas do setor, o Estado e a sociedade civil). Cada um deles será portador de reivindicações e propostas das reuniões anteriores, sobre este tópico que é central, é estrutural da nossa democracia: os marcos legais que regulamentam a comunicação no País, da radiodifusão ao acesso à internet de banda larga.”
O documento final da conferência irá conter propostas para nortear a elaboração de políticas públicas e servir de base para um novo marco regulatório para o setor. É importante destacar que essas alterações irão depender de aprovação do Congresso ou da assinatura de decretos pela Presidência.
Faltou ouvir outras vozes
Realizando uma cobertura informativa superficial, que só vê nos debates da conferência uma tentativa de cercear a liberdade da imprensa, os maiores jornais abriram seus espaços opinativos para criticar a Confecom, em editoriais, colunas e artigos opinativos.
Inicialmente cautelosos e desconfiados, os jornais assumiram uma posição claramente crítica – para não dizer contrária – ao evento, especialmente depois que seis das oito entidades empresariais do setor decidiram abandonar os debates e a organização do evento. Sem parte do empresariado da comunicação, a Confecom foi questionada em sua legitimidade e chamada de “convescote”, por contar com a participação de representantes do governo, de entidades sindicais e dos movimentos sociais.
Faltou o exercício de “ouvir o outro lado”, no caso os movimentos sociais, pesquisadores e professores de escolas de comunicação, que estão participando do processo preparatório da Confecom ou estudam as diversas questões que serão levadas a debate no encontro.
Setor privado: quem saiu e quem ficou
As organizações que saíram da Confecom são: a Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas), a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), a Adjori (Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil) e a Abranet (Associação Brasileira de Internet), que reúne os provedores de acesso. Permaneceram na organização da Confecom apenas a Telebrasil (Associação Brasileira de Telecomunicações), que representa as teles, e a Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores), que representa a Band e a RedeTV!.
Os riscos da Conferência da Comunicação – editorial (O Estado de S.Paulo – 22/11/09)
No final de novembro o centenário jornal dedica mais um editorial ao tema da Conferência para manifestar sua apreensão sobre os “riscos nada desprezíveis” da Confecom. No texto, o Estadão explicita seu menosprezo pelos movimentos sociais – ao mesmo tempo infantilizados e demonizados – e critica o governo por uma suposta manipulação:
“Conferências desse tipo trazem, no seu bojo, riscos nada desprezíveis. O mais evidente é o de que sejam capturadas pelos chamados “movimentos sociais” ou pelos “setores organizados da sociedade civil”. Articulados em grupos de interesse bem ensaiados, esses “setores organizados” – frequentemente manipulados pelo governo – intimidam as participações individuais, isolam as minorias e transformam tudo num palanque para a repetição de meia dúzia de palavras de ordem. Quando enveredam por esse caminho, essas conferências redundam em espetáculos grosseiros ou patéticos – mas sempre inócuos.”
Defensor da liberdade – de iniciativa, de concorrência e de imprensa – o jornal considera que somente a preservação da liberdade é garantia de diversidade de vozes da sociedade na mídia:
“Qualquer clamor autoritário é inadmissível quando se trata de regulamentar a comunicação social. Nessa matéria, tudo há que tender para maior liberdade. Mesmo quando se atacam os monopólios e os oligopólios, é disso que se trata: eles são nefastos porque atentam contra a liberdade de iniciativa, uma vez que sufocam a livre concorrência, e contra a liberdade de imprensa, uma vez que limitam a diversidade de vozes. Ao Estado cabe apenas zelar pela vigência do regime que preserva a liberdade. Quem promove a diversidade de vozes não é o Estado – é a sociedade.”
Brecha legal leva religião e vendas à TV (Folha de S.Paulo – 22/11/09)
Redes dizem que precisam de verba (Folha de S.Paulo – 22/11/09)
A Folha mencionou a Confecom em reportagem sobre a prática comum entre algumas emissoras, de vender espaço em sua programação para igrejas e telecomércio. Aproveitando-se de brecha em legislação do setor, de 1962, que não trata de venda de programação, essas emissoras não incluem esse espaço nos 25%, tempo máximo a ser considerado como intervalo comercial. Veículos como RedeTV!, Band e Gazeta vêm obtendo bons lucros com a prática. “Alugar o horário é sublocação de concessão pública”, denuncia Laurindo “Lalo” Leal, sociólogo, professor de Comunicação da ECA/USP e ouvidor da TV Brasil.
“Coibir a comercialização do tempo de programação”, esta seria uma das propostas que estavam sendo preparadas pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência para ser apresentada em dezembro na Confecom, conforme documento obtido pelo jornal Folha de S.Paulo.
Ouvindo o outro lado
“Temos a Globo com 43% de ibope, que fica com 80% da verba do mercado publicitário. Enquanto a distribuição dessa verba não for equilibrada, as outras têm que fazer isso para sobreviver, até para que não haja no país um só microfone”, diz Kalled Adib, superintendente de operações da Rede TV!.
Já a Band aproveitou para revidar no e-mail enviado por sua assessoria:
“Ciente de seu papel na sociedade, a Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores) aceitou o convite do presidente da República para debater as comunicações brasileiras na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação]. A Band, que integra a Abra com a Rede TV!, está disposta a discutir os temas mais importantes do setor, ao contrário da mídia impressa, que preferiu ausentar-se do debate”.
Ruidosos agentes do silêncio – Demétrio Magnoli (O Estado de S.Paulo – 20/11/09)
O artigo do sociólogo e colunista do jornal Estadão critica o cerceamento da liberdade de imprensa em países como Venezuela, Argentina e Brasil, passando pelos EUA e pela antiga União Soviética. E embora reconheça que “o Brasil não é a Venezuela”, alerta que “os inimigos da liberdade de imprensa fazem parte do consórcio heterogêneo que está no poder” e chama a Confecom de “convescote”.
“No início de dezembro, o programa do “controle social da mídia” dará um novo passo, realizando a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O convescote reunirá essencialmente órgãos de governo e ONGs ligadas ao PT, pois as entidades representativas das emissoras de TV, dos jornais, das revistas e dos provedores de internet decidiram boicotá-lo.”
ANJ reage à proposta do PT de controle da imprensa (O Globo – 20/11/09)
Procurada pela reportagem do Globo para repercutir o documento do PT a ser levado à Confecom, em que o partido “defende o controle público dos meios de comunicação e a criação de mecanismos de sanção à imprensa”, a presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, considerou preocupante qualquer iniciativa que signifique controle dos meios de comunicação.
Já o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murilo de Andrade, que participa da Comissão Organizadora da Confecom, declarou seu apoio à iniciativa do PT e afirmou que “não há a possibilidade de se repetirem, no Brasil, as mudanças na legislação feitas em países vizinhos, como Venezuela e Argentina, para limitar a ação da imprensa”. E criticou:
“Lamento que as grandes empresas de comunicação tenham se ausentado do debate na Confecom, criando uma falsa polêmica. Estão colocando pelo em casca de ovo. No Brasil, qualquer discussão sobre a necessidade de o sistema ser democratizado, logo vinculam à censura e ao controle do Estado. Temos que superar essa tendência.”
A TV, o tabu e o interesse nacional – Eugênio Bucci (O Estado de S.Paulo – 19/11/09)
Em artigo publicado no Estadão, o jornalista critica a falta de cobertura da imprensa sobre a conferência, cuja pauta – funcionamento das concessões de TV e enfrentamento de monopólios e oligopólios, acesso à internet de banda larga, entre outros temas – “é do mais alto interesse nacional”. Para Bucci, o silêncio da imprensa sobre a Confecom “passa mais por esse imobilismo – decorrente da dificuldade de noticiar processos contraditórios – do que por um boicote patronal”. Para o jornalista:
“a Confecom pode ir tanto para um lado como para o outro. Há, no seu bojo, propostas stalinistas, assim como há propostas democráticas. Quem representa o quê? Qual lado tem mais força? Como o cidadão pode informar-se sobre esse processo? Cabe à imprensa responder. O que ela não pode é desperdiçar a chance de investigar e debater em profundidade e criticamente este imenso atraso da nossa democracia: a ausência de marcos regulatórios modernos para a radiodifusão e a comunicação. Existem erros inúmeros na Confecom, mas silenciar sobre ela será um erro bem maior.
PT defende controle público e sanções à imprensa (O Globo – 19/11/09)
Alguns dias após o Estadão haver publicado a reportagem “Partido pede ‘intervenção’ na mídia”, reproduzida no blog do Noblat, o Globo deu a notícia: “Um texto aprovado pelo diretório nacional do PT defende o controle público dos meios de comunicação e a criação de mecanismos de sanção à imprensa. No documento, intitulado “Resolução sobre a Estratégia Petista na Confecom”, o partido declara que a regulamentação atual do setor de comunicação é anacrônica e autoritária e pede “o fortalecimento dos meios de produção público-estatais, regulação sobre conteúdo, mecanismos de controle público, proibição de monopólios, criação de um modelo que garanta mecanismos efetivos de sanção aos meios de comunicação, produção de nova legislação para direito de resposta, paridade racial de gênero na publicidade e um percentual para programas que tratem de história da África”.
Procurado pela reportagem para comentar o documento, o professor de comunicação Carlos Alberto Di Franco, da Universidade de Navarra, considera que “sob o pretexto de democratização, o que se oculta é a tentativa de um crescente controle ideológico da informação”.
No vácuo de Lula – Fernando de Barros e Silva (Folha de S.Paulo – 18/11/09)
O jornalista e colunista da Folha escreveu:
“Segundo as propostas compiladas pelo Planalto, e reportadas ontem por esta Folha, fica claro que a intenção é expandir e facilitar os negócios da mídia estatal, como a TV Brasil, que ninguém vê, e fortalecer a mídia privada regional e/ou comunitária, que hoje já é dependente da verba do Estado e na prática faz propaganda do governo. Sob a retórica da democratização, o que se busca é esvaziar a imprensa independente, aquela que fiscaliza e dá azia em Lula todas as manhãs.”
Conferência de Comunicação e tensão com os radiodifusores – Bruno Lima Rocha (blog do Noblat / O Globo – 18/11/09)
O jornalista Ricardo Noblat publicou em seu blog artigo de Bruno Lima Rocha em que o cientista político critica a falta de informações sobre a Confecom e aponta como um dos motivos a tensão com os radiodifusores sobre o modelo de financiamento do setor:
“Entendo que a Confecom deve traçar os moldes de um novo marco regulatório e este passa pela forma de financiamento, que se confunde com o modelo de negócio, ancorado na relação Empresa-Estado. A assimetria se nota quando os três níveis de governo investem a maior parte dos seus recursos de publicidade na mídia privada. Isto impede a instauração dos três sistemas, a sustentação das emissoras de tipo estatal e pública, justo por brigarem pela mesma fatia do bolo. Não por acaso, este assunto os radiodifusores não querem nem ouvir falar.”
Governo quer marco para regular comunicação (Folha de S.Paulo – 17/11/09)
Outro lado: “Faz bem discutir comunicação”, afirma ministro (Folha de S.Paulo – 17/11/09)
Ao comentar o documento que circulava entre as redações, com propostas do governo para a Confecom, a reportagem da Folha de S.Paulo não se concentrou apenas nas expressões “controle social” e “sanções à imprensa”, apresentadas como formas de autoritarismo e censura. Sem deixar de apontar pontos polêmicos, como as propostas para fortalecimento da mídia regional e das TVs públicas, a reportagem da Folha, diferentemente do que fez o Estadão, mostrou também algumas outras das 59 propostas do documento e ouviu diversos representantes do governo sobre os temas em questão.
Partido pede intervenção na área de mídia – blog do Noblat (O Globo – 16/11/09)
No mesmo dia em que O Estado de S.Paulo divulgou trechos da resolução aprovada pelo PT com as propostas que o partido irá levar à Confecom, o jornalista Ricardo Noblat reproduziu na íntegra a notícia do Estadão em seu blog no Globo.
Partido pede intervenção na área de mídia (O Estado de S.Paulo – 16/11/09)
O jornal O Estado de S.Paulo teve acesso ao documento com as propostas que o Partido dos Trabalhadores irá levar à Confecom e cita diversos trechos da resolução:
“Mais do que combater os monopólios e todos os desvios do sistema atual, é preciso intervir para que eles não se repitam ou se acentuem nesse novo cenário tecnológico – que em poucos anos superará completamente o antigo modelo.”
Com as mudanças provocadas por tecnologias digitais, o PT vê risco de o modelo ficar “mais concentrado e excludente”. “A definição de um marco regulatório democrático estará no centro de nossa estratégia, tratando a comunicação como área de interesse público, criando instrumentos de controle público e social”, diz a resolução.
O PT quer estabelecer “atribuições e limites para cada elo da indústria de comunicação”. Defende intervencionismo na produção de conteúdo, ao propor “políticas, normas e meios para assegurar pluralidade e diversidade de conteúdos”. E pede revisão nas concessões de emissoras de rádio e TV.
Centrais sindicais querem horário gratuito no rádio e na TV (O Globo – 30/10/09)
Em reportagem sobre projeto apresentado pelo deputado Vicentinho (PT-SP), Germano Oliveira, de O Globo informa:
“A CUT também diz que vai propor na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) – de 1ª a 3 de dezembro, em Brasília – dois projetos polêmicos. As centrais querem um canal aberto de TV e desejam também tentar modificar as regras de aplicação das verbas de publicidade do governo federal e das estatais.”
A Conferência Nacional de Comunicação – editorial (O Estado de S.Paulo – 240809)
Em editorial, o Estadão afirma que a saída de seis das oito entidades empresariais que integravam a Comissão Organizadora da Confecom “pôs em xeque a legitimidade da Conferência”. E o jornal justifica:
“Em virtude da imprecisão do slogan em que se converteu o “controle social da mídia”, o receio do empresariado se justifica. É natural que uma conferência dessa natureza debata os marcos regulatórios, mas é também necessário que, nela, não se agridam princípios constitucionais – e é aí, precisamente, que reside o desconforto das entidades dissidentes.”
Mídia em conferência – editorial (Folha de S.Paulo – 15/08/09)
Em editorial, a Folha elogia a saída de seis das oito entidades empresariais que participavam da organização da Confecom.
“Em boa hora os principais representantes das empresas de comunicação enxergaram a armadilha. Seriam engolfados por interesses que não fazem distinção entre partido e governo, informação e ideologia, debate e panfletagem.”
Indicação de fontes:
Beatriz Barbosa – jornalista
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
São Paulo/SP
[email protected]
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Jacira Melo – mestre em ciência da comunicação e diretora executiva
Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia
São Paulo/SP
[email protected]
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