Articulação de Mulheres Brasileiras em apoio ao Cladem e a todas as vítimas de estupro e violências sexuais

09 de junho, 2019

A acusação de estupro contra o jogador Neymar veio à tona por meio da sua própria rede social. Onde o jogador expôs ao público, sem autorização, fotos e conversas íntimas da estudante e modelo que o acusa. Com isso praticou crimes já tipificados na Lei de número 13.772/2018, demonstrando sua irresponsabilidade com o público infantil que o segue, além de seu ódio mesquinho ao praticar “pornografia de vingança”.

(Articulação de Mulheres Brasileiras, 09/06/2019 – acesse no site de origem)

Desde esse momento todas as mulheres e meninas e, em especial, as que já sofreram abusos e violências sexuais estão expostas à traumas e sofrendo com o escárnio público, os julgamentos impiedosos e a falta de solidariedade.

A violência sexual no Brasil ainda é silenciada e naturalizada, apesar das proporções epidêmicas. Segundo o Atlas da Violência de 2018 (dados de 2016) são 1.370 estupros por dia. Apenas 10% desse tipo de crime chegam a ser denunciados. Os motivos vão além da incapacidade do sistema de justiça em acolher as vítimas sem julgamentos e sem revitalizá-las com violências institucionais. É conhecido que a violência sexual neste país foi utilizada largamente como arma de guerra pela colonização e pelo sistema de escravidão.

Pior ainda: para o IPEA, dados de 2011, 70% das vítimas são crianças e adolescentes, grande parte sofrendo o abuso em sua própria residência. Para enfrentar essa cultura, são necessárias mudanças estruturais na sociedade. E mesmo que as políticas públicas mais básicas, como a educação não sexista e pela igualdade de gênero nas escolas, enfrentem oposição organizada de grupos fundamentalistas religiosos, elas são possibilidades reais de enfrentamentos.

Lamentamos que a Cultura do Estupro esteja sendo alimentada, ainda mais, pelos interesses econômicos em jogo no caso das acusações contra o jogador Neymar. E, como consequência, assistimos nas redes sociais e nos comentários do dia-a-dia piadinhas que julgam a sexualidade, a liberdade, a honestidade e o caráter da suposta vítima. E, de tabela, nos atinge a todas.

Temos certeza que nenhuma mulher ou menina deve sofrer o julgamento público por procurar denunciar uma violência sofrida. Não sabemos se a denúncia é verdadeira ou falsa e acreditamos que toda a pessoa tem o direito ao devido processo legal, a presunção de inocência, assim como o contraditório e a ampla defesa.

É assustador o cinismo da crença que um jogador rico, famoso e poderoso que apoia escrachadamente o discurso ofensivo às mulheres, não fosse capaz de realizar tal ato. As acusações sobre a suposta vítima, como “maria chuteira”, que deseja indenização, revelam a crueldade arraigada na sociedade e a falta de solidariedade, em não perceber o quanto é dolorosa tal situação.

Além disso, a difusão mentirosa que existem muitas denúncias falsas de estupro prejudica, mais ainda, a prevenção, a busca por justiça e a reparação das vítimas, servindo apenas aos interesses dos estupradores e criminosos. O Brasil não possui dados sobre falsas alegações de estupro.

Sobre o projeto de Lei número 3369/2019 chamado de “Neymar da Penha” que pretende agravar a pena por “denunciação caluniosa”, qual o interesse em silenciar denúncias? Repudiamos tal oportunismo nefasto e de um cinismo cruel que serve apenas para aumentar os índices de impunidade relacionados às violências sexuais no Brasil.

Pesquisas da Europa, “The (In)credible Words of Women: False Allegations in European Rape Research”, demonstram que as falsas alegações de crimes sexuais não são mais frequentes que os registros inverídicos de outros crimes, uma média que varia de 5% à 8%.

Já da defesa de Neymar em cooptar uma advogada que teve sua atuação profissional ligada ao feminismo com o objetivo de desmerecer, mais ainda, a palavra da suposta vítima, também é preciso repudiar. É tão evidente que a contratação da mesma não aconteceu por seus atributos pessoais, competência e desempenho. Mas, essencialmente, por ser reconhecida como Advogada Feminista. Nada mais conveniente para um acusado de estupro.

Compreendemos que a profissional tem o direito de assumir a causa que lhe convêm, mas não tem o direito, nem legitimidade de usar a luta feminista como status, em proveito econômico próprio e em detrimento da defesa simbólica de todas nós mulheres, hoje julgadas como mentirosas, levianas e desonestas. Para defender o jogador Neymar um homem rico e famoso, apoiado por marcas multinacionais e por toda grande mídia, a advogada abandona o feminismo e passa a trabalhar em favor do patriarcado que se utiliza de mulheres como instrumentos para manutenção de seu poder capitalista.

Ainda que ela, coerente com a postura que prega, doasse seus honorários milionários a entidades pró vítimas da violência sexual, não conseguiria reverter o impacto da violência simbólica que sua atitude provoca em milhões de mulheres. Hoje mais vulneráveis e expostas a um tribunal patriarcal que nos divide em santas e putas e desencoraja, especialmente as mulheres pobres, a denunciarem seus agressores.

No sentido da resistência e do respeito entre mulheres feministas, apoiamos integralmente o Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, que adotou uma posição coerente com o feminismo, pois sabemos a enorme diferença entre respeitar o exercício da advocacia e corroborar com estratégias oportunistas e publicitárias do jogador.

Feminismo não é um atributo individual. É uma prática. Não cabe utilizá-lo como justificativa para uma profissional assumir um caso com evidentes contornos sexistas, com enorme desigualdade de poder entre as partes e onde a suposta vítima está sofrendo uma enorme criminalização moral e exposição ao vexame público. Mais grave, ainda, é que todas nós mulheres também estamos sendo atacadas em nossa dignidade, quando o assunto toma essa dimensão social de ataque a quem denuncia.

Infeliz da sociedade brasileira que ainda não compreendeu a tragédia que nos assola e continua a culpar a vítima pela violência sofrida. Aqui do mesmo modo que em países teocráticos a vítima de estupro recebe uma pena simbólica de chibatadas públicas. A diferença é que não se assume os horrores, os danos perpetrados em nossos corpos e em nossas almas e se finge alguma humanidade e empatia.

Por isso prestamos solidariedade a todas as pessoas que foram vítimas de estupro e violências sexuais e dizemos a cada uma: os feminismos não soltam a mão de ninguém!

Basta da Cultura do Estupro!

Queremos um mundo livre de violências! Por mim, por nós e pelas outras!

Brasil, 09 de junho de 2019

Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB.

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