Até agora dois projetos querem alterar regras que obrigam siglas a destinar ao menos 30% das vagas e dos recursos para as candidatas
(Folha de S.Paulo, 03/03/2019 – acesse no site de origem)
A revelação do esquema de candidaturas femininas de fachada simplesmente para que partidos atingissem o percentual mínimo de candidatas trouxe de volta ao Congresso a discussão sobre a cota de vagas para mulheres nas eleições.
No primeiro mês de trabalho do Legislativo foram apresentados dois projetos que levam em consideração o desvio de recursos a partir de candidaturas de laranjas.
O primeiro acaba com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral. O outro, da semana passada, extingue o percentual mínimo de candidatas.
Se aprovados até outubro, podem já valer para as eleições municipais de 2020.
Desde 2009, mulheres precisam ser 30% das candidaturas registradas por um partido.
Além disso, no ano passado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que as legendas deverão reservar pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral para financiar candidaturas femininas. O mesmo percentual passou a ser considerado em relação ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV.
No entanto, como a Folha mostrou em reportagens neste ano, partidos usaram mulheres como candidatas laranjas nas últimas eleições.
Uma das siglas que adotou a prática foi o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, eleito com o discurso de ética e fim da corrupção.
Diante das denúncias, Gustavo Bebianno, que presidiu o partido na época das eleições, foi demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral, e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, teve sua manutenção no cargo questionada por aliados do governo.
Reportagem da Folha publicada em 4 de fevereiro revelou que Álvaro Antônio, deputado federal mais votado em Minas Gerais, patrocinou um esquema de quatro candidaturas de laranjas, todas abastecidas com verba pública do PSL. O caso é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do estado e levou o ministro a reivindicar no STF (Supremo Tribunal Federal) foro especial —o que foi negado.
“No momento em que se estabeleceu o percentual de 30% para as mulheres, está claro agora que acabaram sendo conduzidos recursos para mulheres sem grande potencial eleitoral que servissem justamente de guarda-chuva para as campanhas dos marmanjos”, afirma Major Olímpio (SP), líder do PSL no Senado e presidente da legenda em São Paulo.
Ele é autor do projeto que acaba com o fundo eleitoral. Hoje, os candidatos recebem recursos desse fundo, do fundo partidário e de doações de pessoas físicas.
Olímpio diz que a obrigatoriedade da cota gera candidaturas sem consistência, “simplesmente para preencher um vazio”.
“[Para] Cada mulher que você não consegue nos 30%, você está perdendo candidatura masculina. É comum os partidos falarem ‘oh, cara, eu quero legenda para ser candidato num partido’. ‘Então, me arrume mais duas mulheres'”, afirma.
Já o projeto que acaba com a cota de mulheres foi apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). Ele justifica que a participação feminina nas últimas eleições não se mostrou diferente do patamar histórico.
No ano passado, o número de mulheres registradas pelos partidos ficou próximo ao mínimo exigido por lei —30,7% dos pedidos de registro para a disputa aos cargos de deputado estadual e 31,59% para as vagas de deputado federal.
“Parto do princípio que as mulheres querem ter igualdade com os homens. Se querem igualdade, não precisa ter cota”, afirma Coronel.
No Congresso, há mulheres que concordam com ele.
“Sou contra qualquer tipo de estipulação de cotas, seja para questões de raça, de opção sexual, de gênero. Penso que as cotas, antes de incluir, excluem, são preconceituosas”, afirma Selma Arruda (PSL-MT).
“Se não temos mulheres suficientes porque elas não se interessam ainda, por questão cultural, de entrar na política, não será impondo cotas que nós vamos conseguir”, afirma a parlamentar de Mato Grosso, estado que elegeu apenas uma senadora —ela— e uma deputada federal.
Atualmente, apenas 12 dos 81 senadores são mulheres, 15%. Na Câmara, são 77 deputadas e 436 deputados (15%).
O líder do Solidariedade na Casa, deputado Augusto Coutinho (PE), que comanda uma bancada com duas mulheres e 13 homens, também se diz contra as cotas. “É mais um desses puxadinhos brasileiros que só criam problema.”
“No mundo ideal a gente não precisaria de cota para absolutamente nada. Meu sonho é que nós não precisemos de cotas para que as mulheres tenham espaço na política brasileira”, afirma a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso e presidente do PSL Mulher.
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é preciso aprovar um projeto de lei que regulamente a distribuição de recursos do fundo eleitoral, sem alterar o percentual destinado às mulheres.
“O problema foi aprovar sem o Legislativo. O que precisamos é ter uma lei que deixe clara a regra da distribuição dos recursos sem mudar os 30% das mulheres”, afirma.
A possibilidade de acabar com a cota foi considerada absurda por alguns parlamentares de ambos os gêneros, que criticam o fato de se usar as candidaturas de laranjas como pretexto para retroagir na legislação em vigor.
“O problema é o crime, não o princípio. A reserva de vagas é um princípio para garantir a paridade da participação feminina nas eleições”, afirma o líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
“É uma desculpa de quem nunca admitiu mulher na política para retroceder e fazer o que eles querem, a nossa exclusão do cenário”, diz a senadora Eliziane Gama (PPS-MA).
“O que falta é fiscalização, investigação, punição para quem faz. E não retirar um direito conquistado, que foi muito difícil conseguir”, afirma a líder do PP no Senado, Daniella Ribeiro (PB).
Daniel Carvalho e Angela Boldrini