Debora Diniz: “Não sou desterrada. Não sou refugiada. Qual é a minha condição?”

17 de junho, 2019

Antropóloga e professora da UnB, que saiu do Brasil após sucessivas ameaças de morte a ela, à sua família e até a alunos, vive agora “limbo jurídico”

(El País, 17/06/2019 – acesse no site de origem)

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz teve de deixar o Brasil em 2018 depois de sofrer uma série de linchamentos virtuais e ameaças. Há mais de um ano, o alvo de haters tem sido não somente ela, como também sua família, alunos e até mesmo a reitora da UnB e a diretora da faculdade onde Diniz lecionava. Tanto ódio tem sido destilado porque a pesquisadora ficou ainda mais conhecida pela defesa dos direitos reprodutivos das mulheres e acabou se tornando figura central pelo direito ao aborto até a 12ª semana de gestação, tema debatido no Supremo Tribunal Federal (STF). Ameaçada de morte, Diniz e a família deixaram o país aconselhados pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo. Mas, agora, vive em um limbo jurídico, sem saber, diante da Justiça, qual é a sua condição. “Não sou desterrada. Não sou refugiada. Qual é a minha condição, ao não poder existir sem escolta policial?”, questiona, por telefone, de alguma parte do mundo.

Ainda tentando se adaptar à nova realidade que impõe sigilo, medo e restrições, Diniz conta que as ameaças surgiram em maio do ano passado, e cresceram de tal forma que em julho ela já não saía mais de casa sem escolta policial. Hoje, mesmo fora do Brasil há um ano, ainda recebe mensagens. A última foi há pouco mais de um mês, quando ela e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que também deixou o país sob ameaça de morte, participaram de uma conferência sobre os “desafios para a democracia brasileira”, realizada em abril na Brown University, nos Estados Unidos. “Quem disse que meu objetivo é te ofender? Eu vou te matar! Matar, vadia! Entendeu?”, diz parte do e-mail recebido por ela na ocasião.

As intimidações são realizadas com palavreado de baixo calão e carregado de ira, como este outro e-mail, recebido no dia 6 de agosto do ano passado: “Bando de cachorros do Governo, o aviso foi dado e qualquer autoridade que se meter também vai pagar o pato! Quero que se foda juiz, promotor e delegado. Não respeito autoridade que defende abortistas. Se precisar, vamos pipocar essa vagabunda da delegada Sandra Gomes Melo também!”. A mensagem fora enviada para Diniz com cópia para a UnB e diversos setores do Ministério Público Federal e é um exemplo do que passou a fazer parte da rotina de terror vivida pela antropóloga. A certeza da impunidade é tamanha que autoridades como a delegada Sandra Melo, da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), e que acompanha o caso desde o início, também entram no rol de ameaças.

Diante das tentativas de coação, o Ministério Público Federal abriu um inquérito para apurar as ameaça, mas encontra obstáculos na dificuldade em se rastrear esse tipo de crime, o cibernético. Os autores se utilizam de contas de e-mail de difícil rastreamento para bombardear seus alvos. A blogueira e escritora feminista Dolores Aronovich, conhecida nas redes como Lola, já é um velho alvo desse tipo de terror. As mensagens recebidas por ela são enviadas, inclusive, do mesmo servidor e remetente que as recebida por Diniz. “Ameaçam a mim e às minhas leitoras”, diz Lola. “Chegou a um ponto em que as escrivãs estavam com medo de assinar os boletins de ocorrência nas delegacias, porque elas acabavam virando alvo também”.

A estratégia usada contra Lola é parecida com a usada contra Diniz: transformam o alvo em um agente contaminador, onde quem está ao seu redor também sofre com as intimidações. Lola afirma que ela e o marido já perderam as contas de quantos boletins de ocorrência registraram. Na mesma linha, Diniz afirma temer muito mais por esse contágio, do que por si mesma. “Embora eu mantenha a minha sanidade com a condição de que [os ameaçadores] são bravateiros, eu não posso arriscar a vida de estudantes na minha condição”, afirma.”Eu contagio no local que eu ocupo socialmente”.

Enquanto assiste, de longe, a ofensiva contra defensores dos direitos humanos, como a que obrigou o ex-deputado Jean Willys (PSOL) a também deixar o país, Debora Diniz aguarda para que ao menos sua condição jurídica seja esclarecida.”Temos que encontrar um caminho, além do penal, de provocação do Estado”, diz. “Quando eu não consigo mais dar aula e nem retornar ao meu país, qual é a minha situação?”.

Marina Rossi

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