O sistema de saúde precisa acolher mulheres e crianças violentadas, em serviços com profissionais preparados
O rapaz veio por causa da sarna que infesta a cadeia. Depois de orientá-lo, perguntei quanto tempo faltava para cantar a liberdade. Respondeu que recebera dez anos num dos processos e oito no outro.
Tinha participado dos julgamentos do tribunal do crime, que condenaram dois homens à pena capital: um deles estuprara uma menina de cinco anos; o outro era pai de uma adolescente de 13 anos, de quem ele abusava desde pequena, até dar à luz a um menino, filho do próprio avô.
O rapaz se julgava injustiçado: “Perguntei pro juiz quantos anos de cadeia pegaria cada um dos estupradores. Ele disse que seriam seis anos. O senhor acha que está certo, seis anos para eles e 18 para mim, que livrei a sociedade de dois seres desumanos?”.
Nos 14 anos nos quais atendi na Penitenciária Feminina de São Paulo, cansei de ouvir histórias de prisioneiras estupradas ainda na infância, por padrastos, pais, avôs, tios e amigos da família. Nunca imaginei que violência sexual contra crianças, fosse tão frequente em todas as classes sociais, especialmente entre as meninas mais pobres e desprotegidas.
Uma vez perguntei a um preso por que razão matavam estupradores, enquanto respeitavam assassinos de mães e pais de família: “O senhor vai pro motel com uma mulher que está a fim do senhor, põe uma música romântica, toma um uísque e, às vezes, não dá certo. Como esses caras conseguem ter ereção com uma mulher se debatendo, gritando e pedindo pelo amor de Deus? Eles não são como a gente, doutor, são tarados, vão fazer outra vez. Pode ser com uma irmã nossa ou nossa mãe”.