Grávidas e mães de crianças pequenas poderiam estar em casa, mas permanecem na cadeia

12 de maio, 2019

Apenas um terço das presas provisórias que tinham direito ao regime domiciliar haviam sido liberadas até dezembro

(O Globo, 12/05/2019 – acesse no site de origem)

Pouco mais de um ano depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a transferência para o regime domiciliar a presas provisórias com filhos ou gestantes , apenas um terço foi para casa. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 9.245 mulheres têm direito ao benefício. Em dezembro, apenas 3.073 haviam sido liberadas.

Nos estados, os juízes relutam para cumprir a determinação. Entre os motivos, consideram que as mães não exercem bem a maternidade, ou que as crianças já estão sendo cuidadas por familiares. Também ponderam a gravidade do crime — especialmente quando se trata de tráfico de drogas.

Tais critérios, no entanto, não foram delineados pelo STF. Em fevereiro de 2018, a Segunda Turma do Tribunal decidiu que presas grávidas e mães de crianças de até 12 anos têm o direito à prisão domiciliar, desde que não tenham cometido crime com violência e grave ameaça. Também não podem ser soltas mulheres que cometeram crimes contra um filho, ou que perderam a guarda da criança por algum motivo que não seja a prisão.

Foram ainda beneficiadas mães de deficientes de todas as idades. Na época, o STF deu prazo de até 60 dias para os tribunais identificarem as presas que, segundo esses parâmetros, teriam o direito à transferência para casa. Assim que identificadas, a ordem deveria ser posta em prática imediatamente. Mas o prazo não foi cumprido.

Sem benefício na prática

Núbia Clara Nogueira, de 24 anos, é uma das que não conseguiram se beneficiar da decisão, embora preenchesse todos os requisitos. Em março de 2016, a moradora de Nova Iguaçu (RJ) foi presa em flagrante por tráfico e porte ilegal de drogas. Ela conta que era usuária e estava “no lugar errado, na hora errada”. Ela alega que, quando chegou a polícia, todo mundo conseguiu fugir, menos ela, que foi responsabilizada por toda a quantidade de droga no local. A filha dela, que tinha 3 anos, passou a ser cuidada pela avó.

Núbia afirma que a Defensoria Pública tentou libertá-la quando saiu a decisão do Supremo, mas o juiz de execução negou a concessão do benefício alegando que ela tinha mau comportamento na prisão. Essa não é uma das exceções listadas pelo STF. Ainda segundo o relato de Núbia, ela foi condenada em primeira instância em março de 2018. A defensoria recorreu da condenação e Núbia acabou absolvida. Foi posta em liberdade em setembro do ano passado.

Quando deixou a cadeia, a filha já tinha 6 anos. Durante os dois anos e meio que ficou presa, Núbia não viu a filha.

— Foi horrível, eu só tinha notícias dela nos dias de visita. Ela perdeu um pouco o respeito por mim, pelo tempo que passei fora. Mas nada que a gente não possa resolver — relata Núbia, que ainda está desempregada, mas comemora o fato de poder cuidar da filha, longe das drogas.

Ao Depen, 24 das 27 unidades da federação informaram a quantidade de mães e grávidas libertadas a partir da decisão do STF. Dessas, nenhuma cumpriu integralmente a determinação. Entre os mais resistentes estão o Acre, onde há 228 mulheres aptas para receber o benefício, mas apenas quatro (1,7%) foram postas em liberdade. No Ceará, das 743 presas selecionadas, 104 (13,9%) foram para casa. Em Minas Gerais, foram beneficiadas 190 (10,5%), entre as 1.807. No Rio de Janeiro, foram para casa 60 (12,2%), de um universo de 491. Em São Paulo, das 3.103 presas qualificadas para o benefício, 1.436 (46,2%) foram para casa.

Na semana passada, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, concedeu habeas corpus a uma presa de Santa Catarina que teria direito à domiciliar, mas continuava atrás das grades. Ele explicou que os juízes precisam seguir apenas os parâmetros fixados pelo STF: “Não há mais espaço para avaliações subjetivas do julgador com relação às hipóteses de prisão preventiva da gestante e da mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência”.

Outras concessões

A decisão da Segunda Turma se aplica apenas a presas provisórias — ou seja, que ainda não foram condenadas. Mas, em outubro do ano passado, no julgamento de outro processo, Lewandowski estendeu o benefício a uma presa que é mãe de criança pequena e já havia sido condenada em segunda instância por tráfico de drogas. Ele considerou que condenadas ainda podem recorrer da decisão e, por isso, também devem ser consideradas presas provisórias.

A prisão domiciliar vale apenas enquanto o filho da investigada completar 13 anos. Depois, a mulher poderá voltar ao presídio. O STF também determinou que, quando for presa, a mulher precisa ser submetida a exame para saber se está grávida, para que o juiz considere a prisão domiciliar imediata.

Não só presas provisórias têm dificuldade de conseguir o benefício. Depois da decisão do STF, o então presidente Michel Temer sancionou lei dando a presas mães e grávidas já condenadas o direito de cumprirem pena domiciliar. Para tentar viabilizar esse direito e resolver outros problemas do sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Sistema Eletrônico de Execução Penal (SEEU). A intenção é inserir no sistema de cumprimento da pena as datas de progressão do regime dos presos — inclusive as mães e grávidas.

O sistema funciona em oito estados. Hoje, outros 15 estão em fase de implementação. A meta é cobrir todo o país até o fim do ano. O problema é que cerca de 40% da população carcerária é composta de presos provisórios, e o sistema só cuidará das penas definitivas. O juiz Carlos Gustavo Vianna Direito, assessor da presidência do CNJ, diz que o mecanismo será importante para monitorar os presos definitivos:

— A forma de fazer esse controle de maneira efetiva vai ser com esse sistema eletrônico.

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