Após tribunais como os de Goiás e o do Rio de Janeiro entenderem que travestis, transexuais e homens homossexuais podem ser contemplados pela Lei Maria da Penha, a juíza Vanessa Villela De Biassio determinou na quinta-feira (25), pela primeira vez no estado do Paraná, que uma mulher transexual de 26 anos tem direito a uma medida protetiva em relação a seu ex-companheiro, um homem de 34, na cidade de Andirá, que tem 20 mil habitantes.
A relação entre o casal terminou em janeiro a pedido da mulher. O homem teria ficado inconformado com o fim do relacionamento e buscado a reconciliação de diversas maneiras. Após alguns dias, ele teria invadido a casa em que viviam e, entre xingamentos, destruído tudo: rasgado roupas da ex-companheira, quebrado móveis e a janela e matado o cachorro dela.
O casal mantinha união estável havia 12 anos. A Universa teve acesso à sentença assinada pela juíza Vanessa Villela De Biassio, que determina que a medida protetiva tenha validade de seis meses, com as seguintes restrições: distância mínima de 300 metros; proibição de aproximação e comunicação com a ofendida, seus familiares e testemunhas; proibição de frequentar determinados lugares, sobretudo aqueles frequentados rotineiramente pela ofendida, a fim de preservar sua integridade física e psicológica.
O não cumprimento da medida protetiva pode acarretar a prisão preventiva, de acordo com a Lei Maria da Penha. A vítima também pode pedir ajuda da Polícia Militar, caso o homem não obedeça às restrições. O documento determina, ainda, que as conversas para um possível acordo aconteçam entre o réu e uma terceira pessoa.
Para conceder a medida protetiva, a magistrada usou como base uma cartilha produzida pelo Ministério Público Federal em 2017, “O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI”, além de outras decisões proferidas nas cidades de São Gonçalo (RJ) e Anapólis (GO).
A juíza foi enfática na deliberação: “Insta salientar que no caso em tela a vítima se trata de pessoa transgênero/transexual, pois afirmou em seu depoimento que possui nome social, o qual tem preferência pelo chamamento, ou seja, se identifica como do gênero feminino, fato que não obsta a aplicação da Lei Maria da Penha conforme passo a explanar”.
Para Melina Sofia Kurin, do Coletivo Prisma, essa decisão é um reconhecimento da sociedade. “Há uma dificuldade de o Estado dar segurança para a mulher, ainda mais transexual. Isso precisa se transformar em lei, porque hoje cada juiz pode decidir o que quiser”, disse.
Nova lei em votação
Para a doutora em demografia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Jackeline Romio, essa decisão é fundamental, mas ainda precisa evoluir na defesa das mulheres transexuais. “É satisfatório, mas o número de decisões como esta ainda é muito baixa. Isso acontece devido à transfobia estrutural. Muitos juízes e delegados não são capacitados para esse tipo de caso”, diz ela, que escreveu a tese “Feminicídios no Brasil, uma Proposta de Análise com Dados do Setor de Saúde”, em 2017.
Na quarta-feira (24), entrou em votação na CCJ (Comissão de Justiça e Cidadania), no Senado Federal, o projeto de lei 191/2017, de autoria do ex-senador Jorge Viana (PTAC), que assegura à mulher as oportunidades e facilidades para viver sem violência, independentemente de sua identidade de gênero.
A senadora Rose de Freitas (Pode-ES) é a relatora e emitiu parecer favorável ao projeto. Os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Juíza Selma (PSL-MT) — que no mesmo dia foi cassada pelo TRE-MT — pediram vistas. Eles têm, no máximo, cinco dias para analisar a proposta.
Willian Novaes