Agressões são verbais e físicas; lésbicas e trans são os mais afetados
(Folha de S.Paulo, 20/03/2019 – acesse no site de origem)
Existe uma escalada de violência contra a população LGBT no Brasil desde o período eleitoral do ano passado.
É esta a percepção de 92,5% de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros entrevistados na pesquisa inédita “Violência LGBT+ no período eleitoral e pós-eleitoral”, conduzida pela organização de mídia Gênero e Número e financiada pela Fundação Ford.
Mais da metade dos entrevistados (51%) afirmou ter sofrido algum tipo de violência motivada por sua orientação sexual ou identidade de gênero desde as eleições do ano passado.
“O objetivo da pesquisa era entender como o discurso de ódio, disseminado a partir das eleições, foi percebido pelas pessoas LGBT, e se havia ocorrido uma escalada na violência contra essa população a partir de sua percepção”, explica Giulliana Bianconi, diretora da Gênero e Número.
Segundo ela, o período eleitoral coincide com um aumento do engajamento político da população LGBT, com evidências que vão desde o aumento de candidatos pertencentes a essas minorias no último pleito até o tema político eleito para a Parada do Orgulho LGBT de 2018.
“Este ambiente precisava receber o aporte de dados para qualificar seu debate”, diz ela. A pesquisa da Gênero e Número apontou que, entre as pessoas LGBT entrevistadas que foram alvo de agressões, 94% foram vítimas de violência verbal e 13%, de violência física.
Ao investigar tanto orientação sexual quanto identidade de gênero, ficou evidente quais grupos são os mais vulneráveis: lésbicas e pessoas cuja
identidade de gênero não corresponde àquela de nascimento.
“Apesar de sub-representadas na amostra, 76% das travestis, mulheres trans e homens trans que responderam à pesquisa consideraram que a violência contra eles aumentou muito durante as eleições de 2018”, afirma o antropólogo e coordenador da pesquisa, Lucas Bulgarelli.
“A violência contra pessoas LGBT no Brasil já é grande e cotidiana”, diz ele. “Mas houve um crescimento nas denúncias de organizações LGBT a partir do período eleitoral, quando debates morais, com conteúdo de gênero e sexualidade, foram privilegiados.”
Segundo Bulgarelli, boa parte das denúncias surgiram atreladas “a gestos e maneirismos identificados com a campanha do presidente Jair Bolsonaro”
(PSL), como o gesto de armas com as mãos. “Nosso objetivo foi colocar números numa violência que foi muito disputada durante as campanhas.”
Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI, confirma que houve uma explosão de denúncias de violência LGBTfóbica a partir do primeiro turno. “Foi uma loucura. Parece que a homofobia e a transfobia saíram do armário e vieram para as ruas.”
De acordo com Julio Cardia, o ex-coordenador de Promoção dos Direitos LGBT, do Ministério de Direitos Humanos, o Disque 100 recebeu, em outubro no ano passado, 272% mais denúncias de violência LGBTfóbica do que no mesmo período do ano anterior. Foram 330 casos em outubro de 2018 contra 131 no mesmo mês de 2017. Os dados constam de relatório enviado pela coordenadoria para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Os locais apontados pelos entrevistados como de ocorrência dessas agressões foram as ruas e os espaços públicos (83%), os comércios e serviços públicos (46%), e os ambientes familiares (38,5%).
Entre os que sofreram violência, 44% apontou ter sido agredido por alguém desconhecido, enquanto 16% diz ter sido agredido por parentes ou familiares.
O estudo entrevistou 400 pessoas LGBT em São Paulo, Rio e Salvador. Na ausência de dados estatísticos oficiais sobre orientação sexual ou de gênero
da população brasileira, não é possível inferir se as informações são representativas do total desse segmento.
A pesquisa aponta ainda as reações daqueles que foram agredidos diante das diferentes violências a que estiveram submetidos.
Enquanto 63% reagiram verbalmente à agressão, 22% fugiram ou se esconderam, 16% buscaram ajuda e 7% reagiram fisicamente, entre outras
reações (cada indivíduo pode ter tido uma ou mais reações).
Para Giulliana Bianconi, da Gênero e Número, o dado é indicativo de que essa comunidade hoje está fortalecida. “Existe um ambiente articulado politicamente entre as pessoas LGBTs que possibilita uma interação entre quem está interessado em reivindicar direitos e denunciar violações.”
Fernanda Mena