“Qual é a política que vamos propor? Manter a ilegalidade que não impede a realização de abortos, ou enfrentar o tema como uma questão de saúde pública, de direitos humanos e de direitos das mulheres?” Esse é o questionamento de Luciana Boiteux, advogada, feminista, professora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
(Justificando, 26/07/2018 – acesse no site de origem)
Luciana Boiteux é uma das autoras da ação que será debatida em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), entre os próximos dias 3 e 6 de agosto. O documento propõe que, respeitado o limite de 12 semanas, seja possível para qualquer mulher interromper, legalmente, sua gestação.
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A audiência contará com 44 expositores, que terão 20 minutos para expor seus argumentos. Entre eles, estarão o Instituto de Bioética (ANIS) e o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que moveram a ação, a Fiocruz, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Unicamp e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Também foi habilitada para a audiência a advogada e professora Janaína Paschoal, que defenderá posição contrária à legalização.
Momento favorável para discussão do aborto na Suprema Corte
Para Luciana, o momento é de grande avanço, pois demonstra que a sociedade está cada vez mais preparada para debater o tema. A convocação da audiência pela ministra Rosa Weber, relatora da ação, demonstra que o STF também entende que o momento é propício para a discussão. “A gente tem um feminismo cada vez mais forte, um feminismo que está nas ruas. Nós temos uma juventude aí de meninas que não mais vai aceitar virarem mulheres adultas e serem obrigadas a abortar ilegalmente. O número de mulheres mortas em decorrência está nas manchetes de jornais, então eu vejo um cenário muito favorável para esse debate”, narra esperançosamente a advogada feminista.
O cenário nacional ecoa, também, os avanços obtidos internacionalmente: “Mesmo que ainda muito conservador, o Chile ampliou as possibilidades de aborto legal, tivemos uma mobilização na Bolívia, na Irlanda, e o que nos tocou mais foi a onda verde argentina, tudo isso nos últimos meses. Esse é um momento importante”.
O momento político para que a pauta seja levada a plenário pode ser favorável, visto, já que a ministra Carmen Lúcia, que deixará a presidência do STF em setembro, vem buscando incessantemente comunicar por meio da assessoria de comunicação do STF e CNJ as políticas de defesa dos direitos das mulheres durante a sua gestão.
Realização da audiência marca a importância do debate
A promoção do debate é vista, pela advogada, também como um avanço em relação à postura conservadora, que é – e sempre foi -, de manter o assunto fora da pauta de discussões: “Os conservadores articulam suas posições sobre o tabu porque seus argumentos não se sustentam no diálogo, na democracia. Eles precisam dizer que não pode, que é proibido, que é crime”. Ela acrescenta que o avanço nos debates gera preocupação entre os defensores da proibição, que passam a agir, inclusive, de maneira violenta: “Eles estão preocupados, eles estão acuados, e eles podem reagir de diversas maneiras. Esse é o caso das ameaças sofridas pela Débora Diniz, por exemplo. Mas isso só mostra que estamos no caminho certo”.
Quando questionada sobre a opinião pública a respeito da legalização do aborto, Luciana avalia que é preciso mudar o foco da discussão, trazendo-a a para o dia-a-dia das mulheres que sofrem, cotidianamente, em decorrência da proibição. “Se perguntarmos ‘você é contra a legalização do aborto?’, provavelmente a maioria das pessoas diria que sim. Mas se você mudar essa pergunta para ‘você acha que uma mulher que faz um aborto merece ser presa?’, a maioria da população brasileira vai responder que não. Você não vai desejar um processo penal, uma pena de cadeia para a sua filha, para sua prima, para a sua irmã”.
O aborto é uma realidade e acontece todos os dias no Brasil, independente de dogmas morais ou religiosos. A Pesquisa Nacional do Aborto 2016 demonstra que, em 2015, mais de meio milhão de mulheres realizaram um aborto. Os dados apontam que, a cada minuto, uma mulher brasileira decide interromper sua gestação.