Profissão Repórter acompanha uma semana de júris de crimes contra a vida de mulheres e também mostra a história da Jaqueline que conseguiu sair de um relacionamento de oito anos de agressões
(Profissão Repórter, 16/05/2019 – acesse no site de origem)
Em 76% dos casos das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil, os agressores são o atual ou o ex-companheiro, que não se conformam com o fim do relacionamento. Em 2018, foram registrados 1.173 feminicídios; um aumento de 12% em relação a 2017. A cada dois segundos, uma mulher é agredida no país.
Em São Paulo, nos três primeiros meses de 2019, os casos de feminicídio cresceram 76%: 37 mulheres foram mortas. No ano passado, tinham sido 21 vítimas. A Secretaria de Segurança Pública do estado diz que identificou todos os acusados e prendeu 31, segundo levantamento do G1 e da GloboNews.
O mapa do Monitor de Violência do G1 mostra os casos de feminicídio ano a ano no país. Confira aqui.
No Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, 24 horas depois de ser preso em flagrante por agredir a mulher, um suspeito ficou diante da juíza. O homem, que não pode ser identificado por determinação da Justiça, tem três filhos com a vítima e um histórico de agressões.
A mulher já havia prestado queixa contra ele três vezes. Na primeira, em 2017, a esposa conseguiu uma medida protetiva, mas desistiu da denúncia, voltou a morar com ele e a sofrer agressões.
“É o tipo de réu mais revoltado que a gente vê nas audiências de custódia são os réus autores de violência doméstica, porque ele fala ‘eu não fiz isso’ ou ‘ela que deu início, ela que brigou’. Ele acha um absurdo ser preso por essa conduta”, disse a promotora de justiça Monize Flávia Pompeo.
A juíza Tatiana Saes Ormeleze comentou o caso desse réu: “ele já tinha dois processos em andamento de violência doméstica. Já tinha sido avisado, já tinha sido advertido, mas ele retorna aqui e comete o crime novamente.”
A pena por lesão corporal nos casos de violência doméstica varia de três meses a três anos, o que significa que o culpado fica preso ou no regime aberto ou no regime semiaberto. De acordo com a juíza, as penas são baixas. “Eu acho que tem uma questão social. No depoimento da vítima de hoje era muito claro que ela voltava a viver com ele por questões econômicas. Então há de se pensar não só no aumento dessa pena, mas numa questão de política pública.”
Não se cale
Em Belo Horizonte, em Minas Gerais, o repórter Guilherme Belarmino acompanhou uma semana de júris de crimes contra a vida de mulheres. No Tribunal de Justiça de BH, assim como em todo o país, o Conselho Nacional de Justiça promove a campanha #NãoSeCale para tentar agilizar os processos de violência contra a mulher.
O juiz Murilo Silvio de Abreu fez cinco júris nessa semana, todos de crimes de homens que tentaram matar as suas esposas. “As acusações nesses casos todos é de que o homem, normalmente o companheiro, marido ou namorado, tratavam a mulher com sentimento de posse, de exercer direito, posse, propriedade sobre a mulher. Subjugá-la. Eu acho que o fim comum entre esses casos todos são nessa linha. Mas na maioria das vezes, quando há um feminicídio ou uma tentativa de feminicídio, tem um por trás nisso, existe uma história. Já houve ameaças ou agressões físicas e psicológicas.”
Um réu, acusado de ter dado um tiro da ex-companheira, porque ela não quis reatar o relacionamento com ele, disse ao juiz: “A arma disparou, né?” Essa tentativa de homicídio aconteceu há mais de 15 anos.
Em um outro caso, o réu era acusado de ter cortado a orelha da companheira com uma faca. Ele disse não se lembrar do ocorrido: “muito alcoolizado.”
A nossa realidade mostra dois perfis. O perfil do agressor: covarde, dissimulado, oportunista, falso, fingido. E o perfil da vítima: refém do agressor. Como o caso de hoje, onde uma senhora toma facadas na face, na orelha, no pescoço, nas costas. Ela ainda vem pedir benefícios para o seu próprio agressor. Esse é um triste retrato da nossa realidade, onde a mulher não consegue sobreviver sem ele
— Murilo Silvio de Abreu, juiz.
Mulher relata agressões sofridas pelo marido durante oito anos
“Te dou uma ‘surra’ na frente de todo mundo. Te quebro os teus dentes ‘todinho’. Você vai pagar caro. Eu vou te meter uma bala na cara que tu vai ver, menina.”
Essa é uma das mensagens que Jaqueline Andrade de Novaes, de 27 anos, recebia do marido Leandro, com quem é casada há oito anos e tem dois filhos.
Em 6 de dezembro de 2018, a desempregada juntou os pertences para sair de casa. “[Ele] só fica me humilhando, mandando eu pegar as minhas coisas e ir embora, que ele vai trocar a fechadura da porta. Me batendo, mas eu sempre tentava por causa dos filhos, mas cada dia as agressões foram ficando piores.”
Em uma das brigas entre Jaqueline e o ex-marido, o sangue da cabeça dela escorria pelo pescoço. Ela teve que tomar seis pontos na cabeça. A amiga fez fotos de Jaqueline pelo celular para mostrar as agressões que ela sofria e que foram usadas na denúncia com base na Lei Maria da Penha.
Jaqueline já havia se separado antes de Leandro, há um ano. Depois de uma agressão, ela saiu de casa, arrumou um emprego de auxiliar de limpeza e conseguiu uma medida protetiva contra o marido, mas não se livrou das ameaças.
“Eu perdi o emprego por causa dele. De tanto ficar ligando e mandava mensagem para o meu supervisor. Falava que eu tinha abandonado as crianças, falou que eu estava usando drogas. Eu nunca usei drogas na minha vida. E acabei sendo mandada embora”, conta Jaqueline.
No começo de 2019, Jaqueline aplicou para uma vaga de auxiliar de produção e conseguiu o emprego. Recebendo um salário mínimo, ela alugou uma casa com dois cômodos. “É um novo momento de vida.”
Mesmo com o recomeço, Jaqueline ainda esperava por uma nova medida protetiva. Ela conta que acabou desistindo da última depois de seis meses. “Achei que ao voltar pra casa ia ser diferente.”
Confira aqui a matéria exclusiva com a história da Jaqueline.
No vídeo acima, você confere a reportagem completa do programa desta quarta (15).