Para procuradora-geral, manutenção em estabelecimentos masculinos contraria direitos fundamentais previstos na Constituição
(O Globo, 23/02/2019 – acesse no site de origem)
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu nesta sexta-feira, em um parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), medida cautelar para a transferência imediata de mulheres trans e travestis para prisões femininas, de acordo com sua identidade de gênero. A ação foi movida pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGT) e será analisada pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Para Dogde, a manutenção de mulheres trans e de travestis em presídios masculinos contraria direitos fundamentais previstos na Constituição. A associação argumenta que há decisões conflitantes na Justiça sobre o tema e pede que transexuais somente cumpram pena em estabelecimento prisional compatível com o gênero com o qual se identificam. Para travestis, defende que possam optar por cumprir pena em estabelecimento prisional do gênero feminino ou masculino.
“É patente, assim, a existência de quadro de violação inconstitucional e inconvencional de direitos humanos das mulheres transexuais e de travestis mantidas em estabelecimentos prisionais incompatíveis com sua identidade de gênero”, argumenta.
Dodge ressalta que decisões judiciais que negam a alocação de travestis e mulheres trans em presídios femininos contrariam orientação estabelecida pelo próprio STF. Em 2014, segundo a PGR, Barroso concedeu habeas corpus de ofício determinando a transferência de pessoas trans, de penitenciária masculina, para unidade feminina.
No texto, a procuradora-geral rebate argumentos usados para indeferir pedidos de transferência, como a ausência de cirurgia de transgenitalização e o risco à integridade física e sexual de mulheres cisgênero (que se identificam, em todos os aspectos, com o sexo de nascimento).
A PGR cita a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275, em que o STF alçou as identidades transgênero a um patamar de proteção constitucional. Na ocasião, os ministros reconheceram aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição do nome e sexo no registro civil.
Também afirma que premissas “meramente hipotéticas” não podem prevalecer sobre os dados concretos sobre violência física, sexual, moral e emocional a que são submetidas as travestis e mulheres transexuais mantidas em estabelecimentos prisionais incompatíveis com sua identidade de gênero.
“A invocação seletiva de razões de Estado para negar especificamente a uma categoria de sujeitos o direito à integridade física e psíquica, à dignidade, bem como outros direitos da personalidade, não é compatível com o sentido e alcance do princípio da jurisdição. Em tal sentido, recusar aos transgênero os mecanismos de reparação judicial de danos sofridos, deixando-os privados de qualquer proteção estatal, resultaria em manter excluída do Estado Democrático de Direito parte da população brasileira, o que contraria os valores fundantes da República delineada em 1988. O Direito deve ser capaz de acompanhar as mudanças cotidianas, estar atento às realidades sociais, “libertando-se de preconceitos que nos impedem de aceitar o próximo do jeito que é”. O Judiciário, em sua atuação, deve ter como premissa máxima a garantia da dignidade de todo ser humano, indistintamente”, diz o parecer.
Marlen Couto